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Povo Karipuna quer proteção e reativação de posto, após retirada de invasores

Fonte: Wikinotícias

19 de agosto de 2024

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Desde junho, uma operação do governo realiza a retirada de invasores da Terra Indígena Karipuna, em Rondônia. Em represália, os invasores destruíram uma ponte que faz ligação ao território, mas ela foi reconstruida. Mas os Karipuna, um povo que quase foi dizimado na década de 60 e hoje tem uma população de pouco mais de 50 pessoas, não querem que seja uma ação pontual e com prazo para acabar. Eles temem que as ameaças voltem com mais hostilidade quando o Estado brasileiro retirar sua força do local.

Adriano Karipuna, porta-voz da etnia, diz que é preciso que a operação vá além. “Exigimos proteção territorial, proteção da integridade física e a reativação do posto de vigilância para que se continue com a a fiscalização do território. Além disso, pedimos medidas de reparação das áreas devastadas”, disse ele à Amazônia Real. O posto a que ele se refere foi destruído em 2018, em uma ação criminosa de invasores, e até hoje não foi reativado. Nem a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e nem o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) deram previsão de quanto o posto será reconstruido, em suas respostas à reportagem (leia mais nessa matéria).

A Terra Indígena Karipuna é uma das poucas áreas de floresta preservada em Rondônia, hoje um estado dominado pelo agronegócio e por fazendas e pasto. Nos últimos anos, a área indígena de 153 mil hectares passou a ser pressionada por fazendeiros e madeireiros, tirando a paz do povo originário daquele território. A terra dos Karipuna também passou a ser alvo de Cadastros Ambientais Rurais (CAR) ilegais, conforme reportagem investigativa da Amazônia Real publicada em maio de 2022.

A operação do governo Lula composta por vários órgãos federais é resultado de uma determinação judicial do ministro Luís Roberto Barroso, do STF, atendendo a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) ingressada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) contra a União, que também pede a desintrusão de sete Terras Indígenas que estão em estado mais crítico. São elas: Yanomami, Karipuna, Uru-Eu-Wau-Wau, Kayapó, Araribóia, Munduruku e Trincheira Bacajá. Desde o ano passado que o STF vem cobrando do governo medidas para retirada dos invasores desses territórios.

Em fevereiro deste ano, o líder indígena Adriano Karipuna participou de uma audiência no STF e pediu urgência na retirada dos invasores. Foi lida uma carta da matriarca do povo, Katika, que disse: “Nossa terra tem muita invasão, muitos madeireiros. A gente tem medo, eles [os invasores] querem matar nós todos”.

Adriano divide a liderança do povo com seu irmão, André Karipuna. É ele que participa de eventos, fóruns internacionais e fala com diversos interlocutores. Ao presenciar a operação do governo federal, mostrou-se esperançoso, mas espera que ela não limite-se a poucos meses, conforme relatou à Amazônia Real.

“Durante a operação já fizeram essa retaliação de cortar a ponte para dificultar o acesso tanto dos Karipuna como das forças de segurança. O Exército já recompôs. Imagina quando estivermos sós”, desabafa Adriano Karipuna, que pede providências da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e da Casa Civil.

A ponte destruída dá acesso à terra indígena. Ela fica a aproximadamente 12 quilômetros da aldeia e é o único meio de acesso ao local. Foram necessários cinco dias para que o Exército Brasileiro, junto com funcionários da Fundação Nacional dos Povos Indígenas e do Ibama pudessem erguer uma nova, após o ataque.

Segundo dados da Plataforma Brasil Mais, em 2023 foram registrados 51 alertas de desmatamento na TI Karipuna. Em 2022, no governo de Jair Bolsonaro, em um intervalo de 12 meses foram registrados nada menos que 435 alertas de desmatamento no local.

O governo federal já divulgou um balanço o qual diz que das 152 ações planejadas para a terra indígena, 149 já foram realizadas. O relatório também diz que foram apreendidos 54 metros cúbicos de madeira; além de ter sido destruída uma balsa e um total de 18 pontes. Pelo menos 38 acessos clandestinos foram fechados e 23 edificações que serviam de suporte para a prática de crimes ambientais foram inutilizados.

Um total de 155 servidores, e mais aeronaves da PRF e do Exército Brasileiro, atuam na operação, na construção e manutenção da base e no apoio logístico.

Em nota enviada à Amazônia Real após a publicação desta reportagem, o Ministério dos Povos Indígenas informou que “na sequência da operação que se encerra neste mês, será iniciada a etapa de pós-desintrusão, composta por ações de monitoramento e apoio à reocupação do território pelos indígenas”.

Denúncias internacionais

De acordo com Adriano, o povo Karipuna vem denunciando as invasões de seu território desde o ano de 2017, por meio de inúmeras reportagens em veículos nacionais e internacionais, bem como junto à fóruns Organização das Nações Unidas (ONU).

As denúncias, segundo Adriano, ajudaram a colocar os problemas do povo Karipuna em evidência. Os indígenas fizeram monitoramento da situação coletando dados e por meio de imagens fotográficas. De posse desse material fizeram as denúncias à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal, isso depois de descobrirem que o próprio Ibama de Rondônia estava atuando no sentido de liberar o chamado Documento de Origem Florestal (DOF) viabilizando madeiras reiteradas da Terra Indígena.

“A partir daí passamos a denunciar as invasões, desmatamento, grilagem de terra e queimadas apenas para a Polícia Federal e para o Ministério Público. Descartamos a secretaria [de Estado] do Meio Ambiente e também para o Ibama de Rondônia. A Polícia Federal descobriu que a Terra Indígena estava sendo loteada”, revela Adriano, que conta que a desintrusão da Terra indígena acabou sendo priorizada por conta do vasto material coletado.

Adriano disse que a Casa Civil teve uma reunião com os indígenas onde revelou que a ideia é fazer um chamado “plano continuado” na Terra Indígena.

O plano consiste em três etapas. A primeira diz respeito à desintrusão em si, retirando todos os invasores da Terra Indígena. A segunda diz respeito a um plano de proteção e vigilância do território e a última, conforme explicou Adriano, trata-se da perspectiva de se fazer uma reparação aos povos indígenas.

“As reparações são reposição das matas que foram destruídas, porque são inúmeras derrubadas que tivemos no território para fazer pasto. Ainda não tem gado, mas em outras partes do território há formação de lavouras de café e banana. São quilômetros e mais quilômetros”, denuncia Adriano.

Proteção territorial

Sobre as medidas protetivas, a principal, para Adriano, diz respeito à reativação do posto de vigilância da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), destruído em 2018.

“Eles [invasores] colocaram fogo no poço artesiano, no motor gerador de energia, na casa, nos alojamentos. Quebraram o que tinham de quebrar e esse posto de vigilância que quem construiu foi a UHE Santo Antônio Energia como medida de mitigação de impactos ambientais causados pela usina hidrelétrica Santo Antônio, no rio Madeira, fruto de um acordo de 2011”, conta. Ainda segundo Adriano os prejuízos com a destruição estão estimados em 2 milhões de reais.

Acima, fotos mostram antes e depois da destruição do posto da Funai em 2018 (Foto: cedida por leitor e Ana Aranda/Amazônia Real/2017).

Adriano relata ainda as dificuldades que o povo Karipuna vem enfrentando. “Não são dificuldades de fome, mas passamos por dificuldades imensas devido às invasões”, lamenta, listando a escassez de frutas nativas, da caça e pesca como efeitos colaterais. “Os castanhais de onde tirávamos o sustento pelo ano todo já não tem mais”, lamenta.

O líder Karipuna diz que procurou representantes do Ministério dos Povos Indígenas, do Ibama e dos demais órgãos que atuam no processo de desintrusão para saber como será feita a reparação cultural, ambiental, social e psicológica dos Karipuna. “Eles não souberam me responder. É isso que eu cobro principalmente da parente Sonia Guajajara [ministra dos povos indígenas]”, disse.

A indigenista do Conselho Indígena Missionário (CIMI) e vice-presidenta da Conferência Eclesial da Amazônia, Laura Pereira Manso, também compartilha o temor pelo que vai acontecer com a Terra indígena Karipuna, depois que as forças de segurança forem embora. Ela também cobra uma fiscalização permanente.

“Ao mesmo tempo que se cumpre uma determinação do Supremo Tribunal Federal, como fica o povo após o cumprimento dessa decisão? Então é preciso que se faça ações de proteção permanente no território, se não houver essa ação permanente de fiscalização na Terra Karipuna eu temo que toda essa ação terá sido uma grande operação a mais, mas sem surtir o efeito necessário”, alerta.

A indigenista lembra que se trata de um enfrentamento a organizações criminosas. “O crime organizado se sente afrontado pela presença do Estado. Eles não voltarão com mais força?”, questiona. Adriano já antevê o que deve acontecer se não houver uma fiscalização permanente. “Eles vão voltar com sangue nos olhos”, avisa.

Respostas

Procurada, a Funai respondeu que a operação está em fase de conclusão da retirada de invasores e desfazimento de estruturas de apoio a invasões (acessos clandestinos, pontes etc).

“Nesta fase final da realização do desmanche das estruturas localizadas durante o trabalho de reconhecimento foram utilizadas imagens de satélite e verificadas algumas estruturas dentro da TI. Neste trabalho não foram localizadas pessoas morando dentro da TI. Foram identificadas estruturas que serviam para a extração ilegal de madeira”, disse a nota.

A Funai disse ainda que a retirada de invasores se encerra neste mês de julho de 2024. Na sequência será iniciada a etapa de pós-desintrusão, composta por “ações de monitoramento e apoio à reocupação do território pelos indígenas”.

O órgão informou que a Força Nacional irá continuar o patrulhamento da TI para evitar o acesso de invasores para retirada da madeira.

Sobre a reconstrução do Posto de Vigilância Indígena (PVI), destruído por madeireiros em 2018, a Funai disse que em reunião no dia 05/06/2024, “concluiu-se pela necessidade de readequação do CI-PBA [Componente Indígena do Plano Básico Ambiental], devido ao grande lapso temporal, desde sua elaboração até o momento presente. Portanto, será analisada a viabilidade de reativação do PVI, não havendo previsão de reativação”, finalizou a nota.

Sobre a reativação do posto, MPI enviou resposta semelhante à da Funai, e informou que, no momento, “a Força Nacional irá continuar o patrulhamento da TI para evitar o acesso de invasores para retirada da madeira”.