Ministros da Saúde e Meio Ambiente criticam arcebispo por excomungar médicos que realizaram aborto na menina de nove anos

Fonte: Wikinotícias

Brasília, DF, Brasil • 5 de março de 2009

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O Ministro da Saúde, José Gomes Temporão, criticou hoje na Rádio Nacional de Brasília, durante a entrevista sobre o combate da dengue no Brasil, a decisão do arcebispo de Olinda e Recife, dom José Cardoso Sobrinho, que excomungou os médicos e familiares da menina de nove anos de idade.

O arcebispo disse ontem, ao justificar a decisão, aos olhos da Igreja Católica, o aborto é crime e que a lei dos homens não está acima das leis de Deus:

Nós, ministros da Igreja Católica, temos obrigação de proclamar as lei de Deus. Nesses casos, os fins não justificam os meios e a lei humana contraria a lei de Deus, que é contra a morte.

Dom José Cardoso Sobrinho

O ministro classificou como "lamentável" a decisão do arcebispo, o ato de excomungar os envolvidos no aborto é um contra-senso diante do que aconteceu à criança, vítima de estupro pelo padrasto. Ele alegou que de acordo com médicos, se a gravidez fosse levada a diante, ela correria risco de vida.

Eu acho que a posição da Igreja [Católica] é extrema, radical, inadequada, me parece um contra-senso diante do que aconteceu. É uma questão que está na lei, a menina foi violentada. Está na lei que, em caso de risco de vida da gestante ou gravidez resultado de estupro, o aborto pode ser permitido. Tá na lei e está resolvido, o resto é opinião da Igreja. Essa posição não tem respaldo algum. Eu fiquei impactado [com a decisão do arcebispo]. Levar a gravidez adiante traria risco à vida dela.

José Gomes Temporão à Rádio Nacional de Brasília

Após participar de reunião com o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, Temporão voltou a falar sobre o caso:

Fiquei impactado pelos dois eventos, pela agressão contra essa menina e pela reação da Igreja. A postura da Igreja é retórica e não tem respaldo no Judiciário [no Brasil]. A Igreja tem uma opinião, mas a saúde trabalha em defesa da vida.

José Gomes Temporão

Carlos Minc também fez críticas a decisão do arcebispo. Para ele, condenar o aborto de uma menina que foi estuprada é uma coisa "medieval":

Quero falar como cidadão, fiquei muito revoltado com a atitude da Igreja [Católica]. Exatamente nessa hora que as pessoas precisam de conforto a Igreja vem criminalizar a vítima. É uma coisa medieval. Essa menina foi violentada, já teve um trauma grande. A Igreja, em vez de ajudar [as pessoas], criou uma questão a mais. Você acaba criminalizando a vida.

Carlos Minc, Ministro do Meio Ambiente

A menina, que morava com a mãe e a irmã mais velha em Alagoinha, a 230 km do Recife, foi submetida ao aborto após ser estuprada e engravidar de gêmeos pelo padrasto que morava com a irmã e a mãe. A gravidez foi interrompida ontem e o estado de saúde dela é bom.

Apesar de proibido, a legislação brasileira permite que o aborto aconteça em duas ocasiões; em caso de estupro e quando a gestante corre o risco de morrer. No Rio Grande do Sul, uma menina de 11 anos está grávida de 7 meses e deve ter o bebê. Ela vivia com pais adotivos desde os seis meses de idade e foi vítima do padrasto.

Reações

“Graças a Deus estou no rol dos excomungados”, reagiu a diretora do Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), Fátima Maia.

Católica, ela disse ter agido como diretora de um instituto referencial no Estado para atendimento à mulher vítima de violência sexual. Mas, pessoalmente, também não tem nenhum arrependimento. ”Abomino a violência e teria feito tudo novamente”, destacou. “O Cisam fez e vai continuar fazendo, estamos preparados, qualificados e referenciados para esse tipo de atendimento há 16 anos”, completou.

Católico de batismo, mas não praticante, o gerente médico do Cisam, Sérgio Cabral, um dos que participaram da interrupção da gravidez de 15 semanas da criança, frisou não ter nenhum problema de consciência. “Estou cumprindo um trabalho perante a população pobre de Pernambuco que só tem o Sistema Único de Saúde (SUS) para resolver seus problemas”, declarou.

Bebês

Rilane Dueire, advogada da arquidiocese do Recife e Olinda, afirmou que a menina queria os bebês e teria se prontificado a cuidar deles junto com a irmã mais velha, de 14 anos.

Antes de passar pela Maternidade Cisam, a menina esteve internada no Instituto Materno-Infantil Professor Fernando Figueira (Imip), também em Recife. O hospital informou que a menina deixou o local na última terça-feira sem fazer o aborto à revelia da instituição. A menina, que tem 1,33m e pesa 36 kg, mantinha uma gravidez de alto risco.

O aborto da menina recebeu apoio de organizações não-governamentais de defesa da mulher, como os grupos SOS Corpo e Curumim. Para a coordenadora do Grupo Curumim, Paula Viana, não havia mais tempo a esperar.

Histórico

Não é a primeira vez que o aborto gera polêmica entre o ministro da Saúde e a Igreja. Em maio de 2007, o Papa Bento XVI defendeu a excomunhão de políticos pró-aborto ainda no avião, a caminho do Brasil. Já no Brasil, o Papa disse em seu primeiro discurso no país que a vida deve ser preservada desde o momento de sua concepção até seu declínio natural.

O ministro Temporão alimentou a discussão dizendo que era preciso ouvir as mulheres sobre o assunto e que se os homens engravidassem pensariam diferente sobre o assunto. Ele afirmou que no Brasil o aborto é um problema de saúde pública.

Logo depois, o ministro se calou e encerrou a polêmica. O próprio ministro, na ocasião, explicou que o puxão de orelha para que não tocasse mais no assunto foi dado por sua mãe, dona Sara, e não pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Minha mãe, Dona Sara, de 89 anos e muito católica, me ligou e disse: "meu filho, o Papa está trazendo outros assuntos importantes para discutir no Brasil, como a fome e as questões sociais"", contou.

A Igreja Católica tinha expectativa de que a gravidez da criança fosse mantida. Na terça-feira, o arcebispo Dom José Cardoso Sobrinho tentou convencer os pais da menina a rever o aborto. O pai biológico dela, Erivaldo Francisco dos Santos, queria que as crianças nascessem. A mãe da menina, no entanto, estava irredutível e sequer quis conversar com o arcebispo.

O crime veio à tona no dia 25 de fevereiro, após um exame médico a menina foi submetida no município de Pesqueira. Ela foi atendida após relatar queixas de tonturas e enjôos à mãe. A garota revelou que estava grávida do padrasto, que mantinha relações sexuais por três anos e ficou mestruada uma vez antes de engravidar e nunca mais ocorreu depois.

O padrasto da garota, de 23 anos, foi preso na noite do dia 26 em Alagoinha. O rapaz confessou o crime e em depoimento, admitiu também ter estuprado sua outra enteada, de 14 anos de idade, portadora de deficiências física e mental. Ele dizia que iria fugir para Bahia no dia 27, depois que a gravidez foi a torna. Apesar da Polícia Civil não ter revelado o nome do suspeito, sob alegação para que a identidade da criança seja preservada, não impediu que moradores da região e depois a imprensa souberem nome do acusado e o caso.

Ouvido pela Polícia, o padrasto confirmou que começou a assediar as duas meninas desde que passou a morar com a família, há três anos. Segundo ele, as enteadas “o provocavam”.

Fontes