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Carlos Paulista, um pioneiro de Brasília

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Fonte: Wikinotícias


Candangolândia/Brasília (DF) • 3 de dezembro de 2010

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Entrada da Candangolândia

Numa dessas tardes do verão brasiliense, quando vemos no horizonte amplo nuvens isoladas se derramando em água, fui parar na Candangolândia, atualmente uma das muitas Regiões Administrativas que compõem a capital da república. Na entrada, a placa anuncia o que se pode encontrar: uma bela cidadezinha do interior. No prédio da Administração, uma espécie de prefeitura local, encontrei uma personagem histórica da cidade, Iremar Carlos Ferreira, o Carlos Paulista, que me contou com orgulho parte da sua vida. Começamos a conversar no corredores do prédio, mas logo ele me convidou para sair para rua onde ficou mais a vontade para extravasar seu entusiasmo de pioneiro da capital.

E mal saímos, ele começou a enumerar suas memórias e me convidou para ir a sua casa, onde queria me mostrar os seus "projetos em andamento". No caminho, começou sua narrativa entrecortada…

"Cheguei aqui em 11 de outubro de 1957… Pode descer essa rua, aí a gente para lá em casa e eu te mostro umas coisas, minha casa fica logo na outra rua, ali é o zoológico, a primeira igrejinha está logo ali, pode virar a primeira à sua esquerda… Mas quando eu vim, eu tinha apenas 22 anos e já era um bom mecânico de trator, eu andava por esse Brasil todo consertando trator. Hoje ser mecânico de trator, mexer com óleo Diesel é bastante comum, mas naquele tempo não era comum… Minha casa é aquela onde estão tremulando aquelas três bandeiras, de São Paulo, minha, de Minas, da minha mulher e a bandeira do Brasil. Eu presto homenagem a todos os estados, você vai ver, eu tenho as bandeiras pintadas em telhas… Então eu dava assistência no Brasil todo, modéstia à parte, eu era considerado um bom mecânico dessa área, com 22 anos eu tomava conta de uma equipe enorme e o consórcio da Minas Engenharia Construtora de Estradas e a Portuária, eles me trouxeram porque tinha muita máquina pra consertar, nossa senhora, foi uma loucura…"

Decoração com símbolos nacionais

Ao entrarmos na casa deparamos com uma ante sala separada do resto da casa onde funciona seu museu particular com mapas e símbolos nas paredes, testemunhando sua dedicação à preservação da cultura nacional. Ele aproveita o impacto inicial que a sala provoca e relata:

- Uma jornalista que morou na suíça veio aqui e eu perguntei "Neuzinha, você acha que eu estou expondo minha família ao ridículo?" E ela me respondeu "Carlos, lá na Suiça em todas as casas as possoas têm a bandeira do seu rincão e você acha que esse povo está se expondo ao ridículo?" Então vem muita gente importante aqui, senadores, o Cristóvão (Buarque), generais, mas o mais importante que vem aqui pra mim é a gente da imprensa… e Carlos Paulista conta emocionado o dia em que o cinegrafista da Rede Globo lhe deu de presente o crachá da Globo, seus angelicais olhos azuis da cor do céu embaciados de inocência…

Projeto Consciência Nacional

Muro na Candangolândia pintado por Carlos Paulista

Um dos projetos que o Carlos Paulista lidera na Candangolândia chama-se "Consciência Nacional", que consiste em cultivar a diversidade de Brasília através de muros pintados e murais espalhados na Candangolândia. Mas pergunto afinal ao Carlos Paulista: o que leva uma pessoa a ter essas idéias?

E ele é categórico: "Eu vim para Brasília com Juscelino e dei minha vida por este sonho também. Aqui fiquei conhecendo pessoas da estatura do Senador Lauro Campos, Dr Ernesto Silva, etc… Eu não tenho instrusão acadêmica, mas eu gosto muito de ler, eu sou paulista, lembro do começo do hino nacional "ouviram do Ipiranga às margens plácidas, de um povo heróico…", aqueles monumentos, a história dos bandeirantes, tudo isso me empolgava e eu na minha cabeça de adolescente sonhava em cruzar o "meridiano das Tordesilhas"… Então eu vim, duzentos anos depois, como um bandeirante, conquistar o oeste...

Mas nem só de glórias vive um pioneiro. Carlos Paulista lembra também de sua luta frustrada contra a demolição do antigo Hotel Guarapari, um pequeno edifício circular de apenas dois andares projetado por Oscar Niemeyer. Segundo hotel a ser construído em Brasília, na entrada da Candangolândia, às margens da BR 020, nele se hospedaram pessoas ilustres como Pelé e Jucelino Kubtscheck, o Hotel Guarapari acabou demolido "pela ganância de alguns".

Projeto do Obelisco

Carlos Paulista mostra detalhes do seu projeto Obelisco

No que chama pomposamente de "Centro Viário Norte-Sul", entre o Museu da História Viva, o Núcleo Bandeirante e a própria Candangolândia, Carlos Paulista planeja erguer um obelisco "para que possamos ter uma vista aérea da cidade pioneira". Com elevador de setenta metros, restaurante e vista pata todo o Lago Paranoá, o Obelisco vai se situar na entrada principal da Candangolândia. E Carlos Paulista justifica: "Esse lugar aqui é o mais importante sírio histórico do Distrito Federal, muito mais importante do que a Praça dos Três Poderes, porque foi aqui que o povo brasileiro, acreditando no sonho de JK, aportou. Não tinha como chegar em Brasília se não fosse pelas hoje BRs 020, 040 e 060, mas todas se encontraram aqui no Centro Viário Norte-Sul. Só que elas não existiam, nós é que fizemos. Nós passamos por Planaltina fazendo estradas, existiam apenas as estradas carroçáveis vindo de Formosa pra Luziânia feitas pelos bandeirantes do século 18 e pelos pioneiros do século 19, nós é que, obedecendo a uma liderança de Juscelino, construímos" E arremata, num arroubo de imodéstia, os olhos brilhando de orgulho: "Eu, o bandeirante, dobrei o canal das Tordesilhas!"

Projeto Moto-contínuo

Carlos Paulista explica o funcionamento do seu moto-contínuo

Se a gente pensa que Carlos Paulista só olha para o passado se engana. Projetando-se ao futuro, ele se orgulha também de uma outra faceta:

- Eu sou inventor também, tenho 56 invenções, a última eu estou trabalhando num projeto que Leonardo Da Vinci tentou fazer na Renascença, há 500 anos atrás. Leonardo da Vinci você conhece, né? Pois é, ele tentou fazer esse moto-contínuo, que é o sonho da humanidade desde Leonardo da Vinci... ele fez o helicéptero e uma porção de coisas... É um motor que funciona com água e não gasta a água, baseado nos princípios da gravidade e da ação/reacão ou "princípio do Dominó ou da Gangorra". Dominó porque um empurra o outro, a água exerce o peso, pensa num menino que pai dava um empurrão e ele descia,então, é a gangorra... Mas é a lei da gravidade, uma lei da física... inclusive veio aqui um professor de Física do Ceub avaliar meu invento e eu falei pra ele que aqui eu não precisava de físico não, precisava era de mecãnico... e eu vi a indústria automobilística nascer...falei... eu sou mecânico de consertar Fordinho 29!

E com uma sonora gargalhada, o Carlos Paulista deu por encerrada nossa conversa, comunicando-me o preço que teria que pagar por ter ocupado seu tempo nessa tarde de primavera/verão:

- Das muitas pessoas que me procuram aqui, os que mais gosto é a imprensa. Eu exijo que assinem esse livro de visitas.

E me permitiu então esse privilégio adicional de constar nos seus anais, como mais um jornalista preocupado com a preservação da memória candanga.

Carlos Paulista mostra seu livro de visitas, no qual exige que todos visitantes deixem um registro




Fontes

Reportagem original
Reportagem original
Esta notícia contém reportagem original de um Wikicolaborador. Veja a página de discussão para mais detalhes.

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((pt)) Conceição Freitas. Torneiro mecânico é um pioneiro cheio de ideias [inativa] — Correio Braziliense, 9 de dezembro de 2009. Página visitada em 3 de dezembro de 2010. Arquivada em 6 de março de 2016