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À medida que os veículos elétricos ganham impulso no Brasil, a influência da China brilha

Fonte: Wikinotícias
Carro eletríco da Tesla

12 de julho de 2024

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O Brasil tem a sexta maior emissão de gases de efeito estufa em todo o mundo, sendo o transporte sozinho responsável por cerca de 16% das emissões totais do país. Uma das principais razões para isso é o consumo significativo de diesel e gasolina. A investigação mostra que os veículos eléctricos (EV), apesar de exigirem mais energia para serem fabricados devido às suas baterias, produzem significativamente menos emissões de carbono ao longo da sua vida útil em comparação com os veículos movidos a gasolina. Devido a esta diferença nas emissões, os VEs desempenharão um papel crucial na transição energética verde do Brasil.

A grande maioria dos VEs no Brasil é importada da China. Para proteger a sua crescente indústria nacional, o Brasil reintroduziu um imposto de importação sobre VEs da China e, ao mesmo tempo, emitiu o Mover, uma nova política para apoiar a inovação das empresas nacionais através do investimento. As empresas chinesas estão a adaptar-se à nova política e também a tentar obter algum controle na indústria brasileira de extração de lítio – uma matéria-prima essencial no fabrico de baterias para veículos elétricos.

Na população brasileira de 215 milhões de pessoas, a popularidade dos VEs tem crescido constantemente nos últimos anos. Em 2023, houve um aumento de 91 por cento nos carros EV vendidos em comparação com o ano anterior – em grande parte devido às importações chinesas de EV e à crescente influência dos produtores chineses. Mas à medida que as empresas chinesas avançam no mercado brasileiro, deverão enfrentar obstáculos, como preços elevados, falta de infra-estruturas e um mercado atualmente limitado às classes económicas mais altas do Brasil.

Os legisladores brasileiros há muito incentivam a transição verde no setor automobilístico. Já em 2018, o governo federal brasileiro iniciou o plano “Rota 2030”, que estabeleceu a meta de que as vendas de veículos elétricos representassem 30% do total de vendas de automóveis no Brasil até 2030. Em dezembro passado, o “Mover”, um novo programa para substituir O Rota 2030 foi lançado para conceder aos fabricantes de automóveis acesso a crédito financeiro em troca de investimentos em mobilidade sustentável, incluindo VEs e carros híbridos. O programa pretende expandir os investimentos em eficiência energética, estabelecer limites mínimos para a reciclagem na produção de automóveis e criar incentivos para poluir menos através de subsídios fiscais.

Foi apontado como o “maior programa de descarbonização da história” pelo vice-presidente do Brasil, Geraldo Alckmin. Até Janeiro de 2029, o programa terá distribuído aproximadamente 3,5 mil milhões de dólares em créditos financeiros. Segundo a consultoria global KPMG, o Mover tem potencial para acelerar a descarbonização no setor automotivo.

Impulso no mercado de EV do Brasil

Esses programas parecem estar funcionando para estimular o mercado de VE. Dados da Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE) mostram que em 2023, as vendas de veículos elétricos leves (LEVs), categoria de veículos movidos a eletricidade que são tipicamente menores, mais leves e mais eficientes em termos energéticos em comparação aos veículos convencionais (como E (bicicletas, patinetes elétricos e microcarros elétricos), atingiu quase 94 mil unidades no Brasil. Embora isso represente apenas 4,3% de todos os veículos vendidos no Brasil em 2023, os VEs estão em uma tendência definitivamente ascendente.

“A China percebeu que esta tecnologia tinha potencial para resolver vários problemas importantes, como a redução da poluição atmosférica, a dependência do petróleo importado e a reconstrução da economia após a crise financeira de 2008”, afirma Murilo Briganti da Bright Consulting, uma das principais consultorias em o mercado automotivo no Brasil, segundo reportagem da Dialogue Earth.

Para incentivar o desenvolvimento da indústria local, o Brasil aumentou os impostos de importação de veículos de nova energia a partir de julho de 2022. Desde janeiro de 2022, os veículos totalmente elétricos enfrentam um imposto de importação de 10 por cento, que aumentará para 18 por cento este mês e chegará a 35 por cento. até julho de 2026. Para evitar esses pesados ​​impostos de importação, algumas montadoras chinesas começaram a transferir parte da capacidade de produção para o Brasil. A BYD, um grande fabricante chinês de veículos elétricos, iniciou a construção de uma grande base de produção na Bahia, nordeste do Brasil, com previsão de entrada em operação da nova fábrica no final de 2024 ou início de 2025. Great Wall Motors, um fabricante privado chinês de veículos elétricos, anunciou no ano passado que sua fábrica em Iracemápolis, no interior de São Paulo, tem início de operação previsto para o segundo semestre de 2024.

O paradoxo do lítio

Outro fator que torna o Brasil atraente como centro para fabricantes de automóveis EV são as vastas reservas de lítio do país, já que o lítio é usado para fabricar baterias para veículos elétricos. O Vale do Jequitinhonha, que se estende por uma dezena de municípios do estado brasileiro de Minas Gerais, abriga as maiores reservas de lítio do país, compostas por 45 jazidas. Essa mesma região abriga dezenas de grupos tradicionais brasileiros, como quilombolas (quilombos são comunidades de pessoas descendentes de ex-escravos que fugiram em busca de liberdade) e comunidades indígenas.

O Brasil, que em 2015 praticamente não tinha produção de lítio, respondia por 2% do mercado mundial em 2023, segundo relatório do CEBC. Nesse mesmo ano, o Brasil exportou para a China seu primeiro lote de lítio extraído daquela região, mas empresas chinesas como a BYD demonstraram interesse em ter maior influência sobre o material. Em janeiro, a Reuters informou que a BYD estava em negociações com a Sigma Lithium, atual operadora em Minas Gerais, sobre um possível acordo de fornecimento, joint venture ou aquisição. Embora o lítio seja um componente chave na transição para veículos eléctricos, a sua extracção tem um elevado custo ambiental e ecológico, impactando as paisagens, a vida selvagem e as pessoas localizadas perto das reservas.

O impacto ambiental da mineração de lítio é óbvio e de longo alcance. Por exemplo, enormes quantidades de água doce, classificada como um recurso precioso nessas áreas mineiras, foram desviadas para operações de mineração de lítio.

A demanda por lítio nas fabricantes de veículos elétricos é muito maior do que nas linhas de montagem de eletrônicos ou celulares, atingindo em média 50 quilos (110 libras) nos carros e 200 quilos (441 libras) nos ônibus. Pode-se estimar que a procura global de lítio crescerá nos próximos anos e poderá atingir 1,8 milhões de toneladas em 2030, seis vezes mais do que o registado em 2020, segundo o relatório do CEBC.

Mesmo que a indústria pareça promissora, os fabricantes de automóveis EV têm dois obstáculos importantes a superar no Brasil: preços elevados em comparação com veículos de combustão e falta de uma infra-estrutura sólida para estações de carregamento num país com enormes proporções continentais. Cerca de 57 por cento dos brasileiros consultados em pesquisa realizada pela EY, empresa internacional de contabilidade, no final de 2023 disseram que pretendem comprar um VE, apontando os altos preços dos combustíveis como o principal motivador. O mesmo inquérito revelou que cerca de 30 por cento dos inquiridos hesitam em comprar VE neste momento devido à infra-estrutura de carregamento inadequada.

Em 2019, existiam apenas 220 postos de recarga no Brasil, segundo o Terceiro Diretório Anual de Mobilidade Elétrica. Os anos seguintes tiveram um grande aumento e, em dezembro de 2023, havia 3.800 estações operando no Brasil. Até 2025, a Plataforma Nacional de Mobilidade Elétrica (PNME) estima que haverá 10 mil estações em operação. As próprias empresas estão a ter de fazer um esforço extra para construir infra-estruturas. Em fevereiro, a BYD anunciou que estava unindo forças com a Raízen, empresa de açúcar e etanol controlada pela Shell e Cosan, para criar uma rede de 600 estações de recarga em oito cidades brasileiras, conforme relatado pela Reuters.

Outro fator importante na discussão é quem são os brasileiros que poderão participar da transição para VE?

Pesquisa do PNME mostra que as compras de VE ainda estão muito concentradas no Sudeste do Brasil, que respondeu por metade de todas as vendas de VE em 2023. A região Norte, em comparação, representa pouco menos de três por cento das vendas. Os dados sugerem que os estados que compram mais VE são os mais ricos, o que sublinha a necessidade de políticas nacionais que garantam a igualdade de acesso a tais equipamentos. Como os VEs têm um custo de produção entre 10% a 30% superior ao dos veículos a combustão, eles podem acabar sendo acessíveis apenas às classes socioeconômicas brasileiras mais altas.