Pesquisa mostra que o Brasil tem terceira maior população carcerária feminina do mundo

Fonte: Wikinotícias

8 de agosto de 2023

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Uma pesquisa realizada pelo World Female Imprisonment List, no final do ano passado, revelou que o Brasil apresenta a terceira maior população carcerária feminina do mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e da China. Com cerca de 40 mil mulheres encarceradas, nos últimos anos o País apresentou um crescimento exponencial desses números, quadruplicando essa população em apenas 20 anos. Cerca de 45% dessas mulheres se encontram em prisão preventiva, segundo levantamento realizado pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen).

Ana Elisa Bechara, professora e vice-diretora da Faculdade de Direito (FD) da USP, explica que o aumento de encarceramentos é global, observando-se também uma explosão das prisões masculinas. Contudo, no caso dos encarceramentos femininos, existe a presença de um fenômeno marcante: o crescimento do aprisionamento por crimes relacionados ao tráfico de drogas. Assim, enquanto o crescimento de prisões de homens apresenta associação direta com crimes patrimoniais, violentos e sexuais, as femininas estão muito mais ligadas à questão das drogas — o que não significa que o cárcere masculino não se relacione com esse tema.

“Quando a gente fala sobre o tráfico de drogas, não é que as mulheres são líderes desse tipo de criminalidade. A liderança é masculina, mas essa liderança normalmente tem uma companheira que acaba tomando conta quando este homem está preso ou quando ele é promovido. Então, as mulheres assumem essas funções dentro de uma estrutura mais patriarcal e acabam sendo mais encarceradas”, analisa a professora.

Motivo para aumento de prisões

Existem diferentes motivos que explicam esse aumento, sendo essencial a compreensão de que os problemas associados ao sistema prisional nacional são multifatoriais. A atual Lei de Drogas (11.323), instituída em 2006, teve uma contribuição direta na questão. “Em 2006, entrou em vigor a nova lei de drogas que basicamente instituiu uma guerra contra as pessoas. Essa guerra afetou desproporcionalmente as mulheres, que passaram a ser alvos frequentes de prisões. Elas foram colocadas na linha de frente pelo tráfico, seja como mulas, dependentes químicas ou pessoas em situação de vulnerabilidade”, observa Luiz Felipe de Oliveira Pinheiro Veras, mestre e pesquisador da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

A legislação em questão ilustra dois tipos claros de penalização relacionados ao mercado de drogas: uma para aqueles que são consumidores e o outra para aqueles que traficam. “Usar droga não é crime no Brasil, mas é crime portar droga para consumo pessoal. Em boa parte dos países do mundo se criminaliza o tráfico, mas não o porte para consumo pessoal, porque quando você criminaliza este, você está querendo combater o tráfico pegando quem usa a droga que, na verdade, é a vítima disso”, argumenta Ana Elisa.

Atualmente, não há pena de prisão para os portadores de droga para consumo próprio, diferentemente daqueles que são presos por tráfico de drogas e que lidam com um regime penal duro imposto pelo Estado. “As duas situações apresentam consequências bem distintas para o Direito. Assim, se eu tenho essa diferença dramática de consequência, eu deveria ter muito cuidado. Contudo, a atual legislação prevê essa diferenciação de uma forma subjetiva”, acrescenta a especialista. Ou seja, a distinção entre as duas situações deveria ser feita de maneira objetiva, uma vez que, da forma como a lei é apresentada atualmente, abrem-se margens para um claro processo de seletividade.

Dessa forma, é possível notar que a grande maioria das mulheres presas apresentam raça, condição socioeconômica e posição geográfica específicas. “Em matéria penal, quanto mais clara e fechada for a lei mais segura ela vai ser para todos nós. Toda vez que a gente dá muita liberdade, ela normalmente é utilizada para gerar mais prisão e não mais liberdade. Isso acontece porque a gente está falando de um poder do Estado que é muito forte, que é o poder de punir. E um poder sempre tende a se expandir e nunca a se autolimitar”, reflete Ana Elisa.

A criação de parâmetros que determinem de maneira clara a diferenciação entre o porte e o tráfico de drogas é, portanto, essencial, sendo também importante a presença de filtros que auxiliem na constitucionalidade da lei. Considerando ainda o permanecimento da seletividade presente no sistema carcerário nacional, Luiz Veras avalia que “mulheres frequentemente encaram maiores obstáculos no acesso à educação, emprego e saúde, resultando em menores oportunidades e maior disposição ao envolvimento em atividades criminosas”. Dessa forma, a questão da violência doméstica e de gênero contribuem significativamente para esse preocupante cenário.

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