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Mia Couto: a guerra em Moçambique “é uma guerra de terror”

Fonte: Wikinotícias
Mia Couto ganhou o Prémio Camões em 2013, o mais importante prémio literário da língua portuguesa

29 de setembro de 2024

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Numa entrevista à VOA, Mia Couto, agradecido pelo galardão FIL de Literatura em Línguas Românicas, afirma não escrever em função de prémios. O escritor aborda as próximas eleições de Moçambique, colonialismo e as reparações coloniais, o papel da mulher Moçambique e o novo livro ‘A Cegueira do Rio’.

Foi com surpresa que a notícia chegou. Mia Couto, reconhecido escritor moçambicano, recebeu a chamada desde o México para o informar que havia recebido o Prémio FIL de Literatura em Línguas Românicas, na edição de 2024.

É, para um escritor, mais do que um prémio pessoal, um foco em África. "A atencao dada à literatura produzida nestes lados menos invisíveis do mundo é importante". No agradecimento, Mia Couto afirmou que o primeiro grande assunto" que o preocupa actualmente é a paz, lembrando que "há, cada vez mais, um estado de conflito permanente" no mundo.

E recordou que vive num país "que ainda está em guerra". "É uma guerra violenta. É uma guerra de terror", disse Mia Couto a VOA.

Com as eleições em Moçambique a aproximarem-se, o escritor moçambicano acredita que tem de haver um golpe radical com a forma como a “elite política” tem actuado até agora. Em entrevista à Voz da América, o escritor diz ser necessário um governo liderado por valores morais.

Abordando pela primeira vez a questão das reparações coloniais, o escritor acredita tratar-se de uma não questão no país. Contudo, a colonização continua a ser uma questão pertinente em Moçambique e no continente africano. “As potencias coloniais simplesmente renovaram uma espécie de uma atitude que continua a ser uma atitude profundamente colonial”, sublinha.

E diz ser importante não esquecer que “esta visão que a gente tem da história colonial deixou de fora o facto de que houve elites sempre dentro de África, mesmo no período da escravatura, que beneficiaram dessa grande injustiça.”, declara Mia Couto.

Preocupado com a entrada de novos atores, nomeadamente a Rússia e a China, Mia Couto diz ser “impossível que a África se liberte dessa armadilha de uma divida que se renova”.

O escritor moçambicano Mia Couto será o padrinho da segunda edição do programa “Be Like a Woman”, que pretende promover um ambiente de negócios mais igualitário. Mas, o escritor recorda que falta muito para diminuir a exclusão das mulheres, e lembra: “a violência contra a mulher tem um peso enorme em Moçambique”.

“É preciso que hajam mesas para todos e comida para todos. E não, simplesmente, que uns possam ter lugar nessa pequenina pirâmide que é o topo desta sociedade.”, destaca Mia Couto.

O escritor lança um novo livro no próximo mês, A Cegueira do Rio, versado na Primeira Guerra Mundial no continente africano, com historia de uma uma aldeia do Norte de Moçambique para o mundo.

Atormentado desde o primeiro livro sobre o que refere ser o fantasma do último livro, Mia Couto reitera que a literatura continua a ser a pólvora que o movimenta. Escrever é como um novo amor: "inebriante". "Nasce-se outra vez", frisa.

Vencedor de inúmeros prémios, de indubitável importância não só para áfrica mas também para o resto do mundo, muitos acreditam faltar-lhe o prémio Nobel da Literatura. Mia Couto agradece, mas afirma não escrever em função de prémios.

Numa longa e aberta conversa, o escritor de Moçambique lembra: "a gente deixa de ser jovem quando perde a capacidade de fazer novos amigos.".