Justiça espanhola recusa extraditar Carlos Panzo, antigo colaborador dos Presidentes angolanos
4 de agosto de 2020
As autoridades judiciais da Espanha recusaram o pedido de extradição do antigo secretário para os Assuntos Económicos da Presidência angolana, Carlos Panzo, solicitada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de Angola.
A decisão foi tomada na última quarta-feira (29 de julho) pela Audiência Nacional de Madrid, ao justificar não ter havido “dupla incriminação”, base para a extradição.
Carlos Panzo foi demitido por João Lourenço a 20 de outubro de 2017, depois de se saber que ele estava a ser investigado “por suspeita de lavagem de dinheiro”, como na altura confirmou à VOA a Procuradoria Federal suíça.
A porta-voz daquele órgão helvético, Linda von Burge, acrescentou então que a investigação iniciou em março daquele ano, mas não deu outros pormenores.
No mesmo dia em que a Presidência da República anunciou a demissão de Carlos Panzo, o Ministério Público angolano anunciou ter aberto um inquérito “para o apuramento de uma denúncia sobre fatos penalmente puníveis, nos termos do direito internacional” .
O processo
A denúncia, de acordo com a nota da Procuradoria Geral da República (PGR) partiu do Ministério Público da Confederação Helvética e foi extraída de um processo iniciado a 5 de Março de 2017.
Mais tarde, a PGR solicitou a extradição de Panzo, o que agora foi negado.
A sentença a que a VOA teve acesso lembra que uma investigação do Ministério Público da Suíca sobre as atividades consideradas “corruptas” do grupo brasileiro de construção Odebretch, presente em várias países, acompanhada de outras investigações paralelas no Brasil e nos Estados Unidos, concluiu que o grupo criou um fundo para pagar políticos e funcionários do Estado nos países onde operava em troca de favores, nomeadamente contratos e outros negócios.
No documento de 13 páginas, lê-se que os investigadores suíços descobriram que Carlos Panzo “recebeu a 30 de junho de 2017, por transferência bancária, na sua conta (…) domiciliada no banco suíço Bar & Co SA, a quantia de 3.299. 852 dólares, uma transferência realizada pela empresa Norberto Odebretch” e que “além dessa transação financeira suspeita, o demandado (Carlos Panzo) possui contas bancárias (…) domiciliadas no banco suiço Banque Héritage, que parecem estar relacionadas com atividades ilegais antes mencionadas”.
O tribunal considera que com a investigação preliminar concluiu, entre outras coisas, que Carlos Panzo não tinha entradas financeiras que justificassem a transferência de mais de três milhoes de dólares.
Odebretch paga
As investigações também concluíram que os pagamentos da Odebretch a Panzo e suas empresas foram feitos em Angola e em moeda local, não havendo “movimentos nem pagamentos nacionais e financeiros com o exterior, muito menos em moeda estrangeira”, de acordo com a sentença da Audiência Nacional de Madrid.
A transferência suspeita aconteceu entre Brasil e Suiça, sem qualquer passagem por Angola, não tendo, no entanto, Panzo justificado “como a empresa Norberto Odebretch, à luz da legislação brasileira, realizou a transferência a favor dele”.
Os juízes consideram haver uma “importante contradição” porque Carlos Panzo é acusado de ter recebido o dinheiro a 30 de junho de 2017, enquanto uma nota do banco apresentada pelo acusado diz “que na conta não se recebeu durante o ano de 2017 nenhuma transferência”
Entre várias outras nuances, a Audiência Nacional de Madrid conclui não existir o princípio fundamental da extradição, a “dupla incriminação”, que “exige a prova de que o fato pelo qual se exige a extradição seja crime e tenha uma moldura penal determinada na legislação do Estado requerente e do Estado requerido”.
O tribunal ditou “não ser possível afirmar com convicção que existiu uma transferência bancária de mais de 3,2 milhões de dólares” para a conta de Carlos Panzo por ordem da Odebretch e reconheceu que “ter uma determinada quantidade numa conta bancária num banco suíço, sem mais dados, não constitui delito algum no nosso país (Espanha)”.
Fatos que não são crimes
Os juizes destacaram ainda que “os fatos pelos quais se exige a extradição nunca seriam crime” em Espanha, não cumprindo assim o princípio da dupla incriminação.
Por outro lado, dizem ainda que o fato de ser titular de duas contas no Banco Héritage “não apresenta qualquer natureza delitiva e não se pode passar por alto o fato de que à data do pedido de extradição, as referidas contas já não existiam e as autoridades de Angola estavam conscientes disso”.
Durante a prova pericial, segundo os juízes, o professor de Direito da Universidade Agostinho Neto, em Luanda, João Manuel Lourenço explicou que, no âmbito, da lei da amnistia promulgada pelo anterior Presidente José Eduardo dos Santos, a 11 de novembro de 2015, a responsabilidade penal de Carlos Panzo “ficaria extinta porque os fatos investigados na Suíça enquadram-se no âmbito temporal coberto pela lei de amnistia e também no seu âmbito material”.
O jurado também esclarece que os delitos de que Panzo é acusado na Suíça e em Angola “são alheios ao pedido de extradição”.
E lembra que “no pedido de extradição não consta como fato a existência de uma determinada conta do reclamado (Carlos Panzo) no Banco Héritage, que, entre 2011 e 2014, houve movimentos no valor de 11 milhões de dólares”, havendo apenas uma referência às contas que ele tinha no banco.
Carlos Panzo desempenhou diversas funções durante o regime de José Eduardo dos Santos, tendo sido diretor do gabinete de acompanhamento macroeconómico do Ministério da Economia em 2009, coordenador da Comissão de Gestão do Fundo Habitacional e presidente do Conselho Fiscal da Sonangol.
Fontes
- ((pt)) VOA Português. Justiça espanhola recusa extraditar Carlos Panzo, antigo colaborador dos Presidentes angolanos — Voz da América, 1º de agosto de 2020
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