Juízes debatem reconhecimento da motivação de gênero em crimes contra mulheres

Fonte: Wikinotícias

Brasil • 26 de novembro de 2014

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O paradigma da Lei Maria da Penha ainda não foi incorporado pela Justiça brasileira. Essa é a conclusão de pesquisa feita pelo Instituto Patrícia Galvão, discutida hoje (26) na Oficina sobre Feminicídio: Assassinato de Mulheres por Razões de Gênero. Promovida pela ONU Mulheres, em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o encontro reuniu juízes de diversos estados para discutir a abordagem da Justiça em relação às questões de gênero.

Ao analisar 202 casos de crimes contra a vida de mulheres cujas sentenças foram dadas em 2012 ou 2013, a pesquisadora Fernanda Matsuda observou que os crimes ocorreram majoritariamente em residências. Segundo o estudo, os companheiros, ex-companheiros ou familiares foram os culpados na maior parte das ocorrências. Já as armas utilizadas foram variadas, com destaque para as brancas, recorrentemente combinadas com a prática de tortura ou estupro. “O feminicídio está ligado às relações conjugais, o lar é um ambiente inseguro para as mulheres, e a violência tem contornos extremos”, resume Fernanda Matsuda.

Apesar das evidências de que os crimes foram motivados por questões de gênero, a Justiça não deu destaque a essa dimensão. Em poucos casos houve o uso de agravantes como crime contra a mulher ou crime contra a cônjuge. Além disso, a violência ainda é vista como tragédia individual, e não como consequência da opressão de gênero existente na sociedade. Para destacar situações nas quais as mortes decorrem do fato das vítimas serem mulheres, pesquisadoras participantes da oficina defenderam a tipificação do crime de feminicídio, que hoje não está previsto na legislação brasileira, mas que está em discussão no Congresso Nacional.

O Projeto de Lei do Senado 292/2013, por exemplo, propõe alterações no Código Penal para inserir o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio. De acordo com o texto, o feminicídio seria definido como violência extrema de gênero, que resulta na morte da mulher, quando ocorre pelo menos uma das seguintes situações: existência de relação íntima de afeto ou parentesco entre a vítima e o agressor, prática de violência antes ou após a morte e ou mutilação da vítima, também antes ou depois do assassinato.

Professora do Instituto Brasiliense de Direito Público, Sonia Mendes reconhece que a violência de gênero só será superada por meio de mudanças culturais, mas defende que a tipificação do feminicídio “não é tão somente um instrumento retórico, mas de visibilização de uma forma de subjugação considerada a mais extrema, que é a retirada da vida das mulheres em função da sua condição de ser mulher”.

Os casos citados durante o debate ilustram a situação. Em um deles, a vítima foi morta após pedir para o marido ajudar nas tarefas domésticas. Em outro, a mulher havia se negado a manter relações sexuais com o companheiro. O reconhecimento do feminicídio seria uma forma de a Justiça perceber “que aquele caso de morte não é um caso por si só, é um caso de morte que envolve todo o referencial da masculinidade e da ideia de que um indivíduo é proprietário do outro”, explica Sonia.

Amanhã (27), a oficina terá continuidade com discussões sobre a tipificação do feminicídio em países da América Latina, como o México, bem como sobre as propostas legislativas que tratam da questão no Brasil. Para o juiz Álvaro Kalix Ferro, integrante do Movimento Permanente de Combate à Violência Doméstica e Familiar do CNJ, “a discussão é sobre a necessidade de um tipo ou de uma qualificadora para dar essa visibilidade à questão da violência que aflige a mulher, em especial à violência de ódio pelo fato de ser mulher”. Ele considera que a oficina é importante para “ampliar essa discussão e a visibilidade desse tema em todos os âmbitos do Poder Judiciário”, explica.

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