Covid-19: as lições de Araraquara após o colapso e lockdown
13 de abril de 2021
Por Marco Zero
Em 2021, Araraquara foi do pior cenário a exemplo no combate ao novo coronavírus. De fevereiro ao começo de março, a cidade de 238 mil habitantes no interior de São Paulo colapsou. Mantendo sempre em 2020 uma taxa de ocupação dos leitos abaixo de 50%, o município foi um dos primeiros a detectar, fora do Amazonas, a variante P1 do coronavírus, mais transmissível e possivelmente responsável por casos mais severos da doença. Em uma subida íngreme da infecção, Araraquara se viu sem leitos e viveu o colapso da saúde.
Assim como foi forte o impacto, também foi forte a reação. A própria população já diminuiu a mobilidade no começo de fevereiro, com posterior fechamento de algumas atividades não-essenciais. No dia 21 de fevereiro começou um lockdown, talvez o único “de verdade” no Brasil, decretado pelo prefeito Edinho Silva (PT): fechou até supermercados, transporte público e postos de combustíveis por cinco dias, além de restrições a mobilidade da população. Só serviços de entrega e de saúde funcionaram.
A medida funcionou. A redução de mortes foi acima dos 85% e, na semana passada, Araraquara teve quatro dias sem nenhum óbito por complicações da covid-19. Um alívio para uma cidade que chegou a registrar 41 mortes por semana. Na sexta-feira, 9 de abril, a secretária de saúde do município, Elaine Mori Honain, participou do webinário “Respostas à crise Covid-19”, promovido pelo Laboratório de Imunopatologia Keizo Asami (UFPE) em parceria com a UFRPE e o IRRD. Ela dividiu a apresentação com o secretário estadual de saúde de Pernambuco, André Longo, com mediação do diretor do Lika, José Luiz de Lima Filho, e o epidemiologista Jones Albuquerque, do Instituto para Redução de Riscos e Desastres de Pernambuco (IRRD-PE).
Na sua fala, Elaine mostrou algumas das ações que estão fazendo com que Araraquara controle a disseminação do novo coronavírus. Abaixo alguns dos pontos-chaves repassados na apresentação.
Parcerias
Até 31 de dezembro de de 2020, contava com 92 óbitos por covid-19. O descontrole veio tão rápido que no dia 21 de fevereiro já eram 185 óbitos e 218 pessoas internadas. “Nós sabíamos que janeiro ia ter problema, mas a subida foi muito brusca. De repente, constatamos que algo diferente estava acontecendo”, disse a secretária.
Foi por conta de uma parceria com o Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo que Araraquara descobriu que a variante P1 era predominante na cidade. “Na primeira amostra que enviamos, veio o resultado de que 50% dos casos era de P1. Na segunda remessa, poucas semanas depois, já era de 93%”, contou.
As principais parcerias foram com universidades e institutos de pesquisa, que ofereceram expertise e testes. Com o Instituto Butantan, Araraquara conseguiu mil testes. Com a USP de Ribeirão Preto, a prefeitura fez uma parceria para um exame de pulsão venosa, que dá 90% de efetividade. “É preciso muito diálogo com todos e muita humildade para ouvir as universidades e também nosso comitê científico para aprender e implantar as mudanças”, disse.
Atendimento domiciliar e internação precoce
No auge da crise, Araraquara fez internação de pacientes em casa, com uso de oxigênio. Médicos faziam visitas diárias e enfermeiros rondas de três vezes por dia. Durante o lockdown, os testes eram feitos nas residências por 26 equipes de saúde. Quem dava positivo, recebia em casa uma visita da equipe que testava todos os moradores da residência e orientava sobre o isolamento do infectado.
Outra ação que foi a internação precoce em leitos de enfermaria de pacientes com mais de 45 anos e alguma comorbidade. Isso evitou uma maior demanda por UTI. Não confundir com o chamado “tratamento precoce” – o uso de remédios com ineficácia comprovada – defendido pelos bolsonaristas, e que nunca foi adotado em Araraquara.
Controle e testagem
Depois do lockdown, a cidade não reabriu de uma hora para outra. E manteve algum controle. No feriado de Páscoa, a secretária contou que cinco mil veículos tentaram entrar em Araraquara, e 400 voltaram, pois não passaram nas barreiras sanitárias.
Uma medida de controle foi a criação de alojamentos com quartos duplos para que pacientes de covid-19 sem complicações ficassem isolados, no caso daqueles que, por condições de moradia, não conseguem fazer o isolamento dentro da própria residência.
Com as parcerias, a maioria dos exames na cidade são de RT-PCR, que indicam quando o vírus está ativo no organismo e dão uma dimensão mais real e clara da situação epidemiológica da cidade. Os exames também saem mais rápido, em 24 horas. Pacientes com apenas um sintoma de covid-19 são testados. Se der positivo, todos os contatantes são recomendados a fazer o testes nas unidades de saúde.
Após o lockdown, há testagens aleatórias diárias em cultos, escolas, indústrias. “Se encontramos mais de dois positivados, fazemos um fechamento pontual de sete dias das atividades do local. Temos 12 equipes de testagem, todos os teste RT-PCR, em uma parceria com a Unesp”, conta Elaine. “Tentamos fazer esse controle para não deixar ficar com grande número de positivados e evitar que a situação saia de controle novamente”, disse a secretária.
Notícia Relacionada
Fonte
- Maria Carolina Santos. As lições de Araraquara após o colapso e lockdown, Marco Zero, 09 de abril de 2021.
Conforme nota no rodapé do site Marco Zero, “esta obra está licenciado com uma licença Creative Commons Atribuição-SemDerivações 3.0 Brasil", que permite copiar, porém não modificar, o conteúdo e redistribuí-lo, mesmo para fins comerciais, devendo ser dado o crédito apropriado. |
Esta página está arquivada e não é mais editável. |