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Brasil e EUA celebram 200 anos de relações diplomáticas, mas incertezas cercam futuro da parceria

Fonte: Wikinotícias
Senador Rodrigo Pacheco

29 de maio de 2024

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Brasil e EUA celebraram, no último dia 26 de maio, a marca de 200 anos de relações diplomáticas. No Brasil, a data foi comemorada com uma sessão solene no Senado, realizada na terça-feira, 28, e que contou com a presença do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e da embaixadora dos EUA no Brasil, Elisabeth Bagley, além de ministros e outras autoridades.

Em 26 de maio de 1824, o presidente dos EUA, James Monroe, recebeu o encarregado de negócios brasileiro, José Silvestre Rebello, em Washington. Este ato marcou o reconhecimento oficial da independência do Brasil pelos EUA e, na mesma data, o estabelecimento das relações diplomáticas. Atualmente, os norte-americanos são o segundo maior importador dos produtos brasileiros, e, para além da economia, as duas nações mantêm vigorosas conexões em áreas que vão da ciência e tecnologia à cultura, passando pela política internacional, defesa e comércio.

Tullo Vigevani, professor voluntário do curso de Pós-Graduação em Relações Internacionais e Ciências Sociais da Unesp em Marília, e do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp, contesta a descrição de dois séculos de relações extremamente amigáveis apresentada por alguns historiadores e cientistas políticos, e descreve um quadro mais nuançado, pontuado por episódios de atrito, e até de conflito.

“A conclusão mais geral é que estas relações foram pragmáticas. O que significa pragmatismo aqui? Que são relações assimétricas, estados com muitas diferenças de poder efetivo, mas que podem ser, em alguma medida, utilizadas”, diz. Ele explica que, durante os primeiros 100 anos do Brasil independente, as relações entre as duas grandes nações do hemisfério ocidental foram de baixa intensidade. “Naquele período, a parceria mais importante, para o Brasil, era com Portugal, pela necessidade do reconhecimento da independência. E, também, com outros países importantes no cenário internacional da época: Inglaterra, França, Espanha, Japão e outros mais”, diz Vigevani.

Aproximação e tensões

As relações com os EUA se fortaleceram no final do século 19, quando o comércio aumentou sobremaneira, e o país passou a ser o maior importador de produtos brasileiros. Sobretudo do café, que era a grande matéria prima agrícola de exportação, e se manteve assim durante todo o século 20. Como contrapartida, vieram também episódios de atrito, com resultados muitas vezes prejudiciais ao Brasil. O episódio da Revolta da Armada, no final do século 19, que envolveu uma intervenção norte-americana, foi significativo no sentido do enfraquecimento do Brasil. Ocorreram, depois, rusgas envolvendo a atuação do Brasil na Liga das Nações. E o período anterior e inicial da Segunda Guerra Mundial também foi de dificuldades, por conta do interesse do Brasil em fortalecer seu comércio com os países inimigos dos norte-americanos, em particular com a Alemanha.

Após a Segunda Guerra Mundial, muitas rusgas surgiram devido ao interesse manifestado por alguns governantes do Brasil em aumentar a visibilidade e a presença do país no cenário internacional, algo que os EUA desestimulavam. Entre estas rusgas estão a decisão do governo Getúlio Vargas de recusar o convite norte-americano a enviar tropas brasileiras para combater na Guerra da Coreia, em 1951, e a política externa do governo de Juscelino Kubitschek que almejava projetar a presença brasileira na América Latina e viabilizar um programa de desenvolvimento de todos os países da região.

No período do regime militar, a aliança Brasil-Estados Unidos ganhou mais densidade, que se concretizou em iniciativas como o envio de tropas brasileiras para a República Dominicana, numa operação liderada pelos Estados Unidos, e a colaboração para o isolamento do regime cubano, com quem o governo brasileiro não manteve relações diplomáticas até a redemocratização.

“A partir do governo Sarney, as reações foram seguidamente alternando momentos mais amistosos e mais conflitivos. Sobretudo pela recusa brasileira em integrar, de forma acrítica, os acordos econômicos que poderiam significar uma abertura indiscriminada da economia brasileira”, diz Vigevani.

As próprias posições norte-americanas variaram de forma importante desde os anos 1990. Ainda naquela década, os EUA defenderam, por exemplo, a criação da Organização Mundial do Comércio e a abertura indiscriminada de todos os países ao comércio internacional, no contexto denominado de globalização. No entanto, no século 21, já durante o governo Trump, houve uma política de volta ao protecionismo comercial nos Estados Unidos que teve sequência na administração Biden. “Nesta área, ocorreram alterações na política norte-americana que constantemente desagradaram os governos brasileiros”, diz o docente da Unesp.

No ponto de vista de Tullo, a relação passa por um bom momento, beneficiado pela busca de uma agenda positiva que atenda aos interesses bilaterais. “Existem três pontos positivos que constituem a agenda atual. Primeiro, a preservação do meio ambiente, que envolve a defesa de políticas ambientais de caráter internacional. Tanto o governo americano quanto o governo brasileiro dizem estar muito envolvidos e muito interessados nesta agenda. Mas, mesmo nesse campo, uma coisa são as declarações e outra, as realidades efetivas. E, muitas vezes, os grupos de interesse pressionam no sentido contrário ao das alegações oficiais.”

“O segundo ponto é a agenda da democracia. Certamente, o governo norte americano, em alguns momentos, não necessariamente em todos, está interessado em políticas democráticas. O governo brasileiro tem insistido em utilizar essa diretriz do governos dos EUA para fortalecer a agenda democrática na América Latina. Mas, também nesse campo, as interpretações a respeito do que seja a agenda democrática são muito diversas.”

“E o terceiro ponto, que também faz parte da agenda bilateral, são os direitos sociais, particularmente dos sindicatos. São agendas relevantes, sobretudo no contexto de um governo do PT, de um lado, e um governo do Partido Democrata, nos Estados Unidos, porque os dois prezam as relações com os sindicatos e com a pauta de reivindicações dos trabalhadores”, diz.

Eleição americana projeta incertezas para o futuro

Tullo Vigevani pensa que o cenário futuro das relações entre os países é incerto. “Acredito que o que se deve esperar é que, tendo em conta a assimetria de poder entre EUA e Brasil, as oscilações continuarão, a reboque das agendas internas. E, provavelmente, a agenda norte-americana exercerá um impacto muito grande nessas relações. Uma mudança de administração nos EUA prejudicará os pontos que hoje são prevalentes, como a agenda ambiental, a agenda democrática e a agenda de direitos sociais. Portanto, não há certezas quanto ao futuro”, avalia.

Ele considera que é essencial que o Brasil busque acordos orientados para os interesses nacionais, tanto nas relações com os EUA quanto com outros países. “O apoio externo é muito importante, mas não pode ser decisivo. O decisivo é a solidez da sustentação interna para uma agenda brasileira de longo prazo. Ainda que vários políticos norte-americanos envolvidos nas relações internacionais expressem a crença num potencial positivo grande para as relações entre ambos os países, não vejo como isso pode se tornar realidade para os próximos anos. Não podemos esperar grandes melhorias”, diz.


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