Modelo de desenvolvimento prejudica conservação dos recursos hídricos, avaliam especialistas

Fonte: Wikinotícias

23 de março de 2021

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Um dos principais impactos que o Brasil vai sofrer com o aquecimento global é a redução da disponibilidade de água. Sem uma mudança estrutural no modelo de desenvolvimento, não vai ser possível reduzir a emissão de poluentes de forma sustentável e ter uma gestão eficiente dos recursos hídricos. O alerta foi feito nesta segunda-feira (22) em um webinar promovido pela Comissão de Meio Ambiente (CMA) para celebrar o Dia Mundial da Água, comemorado anualmente nesta data.

Proposto pelo senador Jacques Wagner (PT-BA), que preside a comissão, o debate reuniu especialistas que apontaram os principais desafios da gestão de recursos hídricos no Brasil.

Ameaças
Visão área da floresta amazônica

Bispo auxiliar de Belo Horizonte (MG), membro da Comissão Episcopal Especial para Ecologia Integral e Mineração da Confederência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Vicente Ferreira foi enfático ao apontar como a destruição provocada pela atividade mineradora como ameaça aos rios do país. Além de mencionar a destruição da bacia do rio Doce e do rio Paraopeba, provocada pelo rompimento de barragens da mineradora Vale em Mariana (MG) e Brumadinho (MG), ele afirmou que a forma de exploração mineral em atividade é extremamente destrutivo do lençol freático e das nascentes, e profundamente comprometedor da questão hídrica.

— O que nos preocupa é que, depois dos crimes ambientais, as leis ainda estão sendo mais flexibilizadas no que tange ao meio ambiente. A mineração se torna mais agressiva. E a gente lança esse apelo para que se olhe a relação entre os empreendimentos minerários e a questão relativa à água. A mineração consome muita água em seu processo, polui muito e tudo isso vai trazendo danificações nos territórios, sobretudo nas comunidades menores, quilombolas, indígenas, e ainda as regiões metropolitanas das grandes cidades.

Dom Vicente Ferreira destacou ainda que a atuação das mineradoras, que parece estar acima da lei, compromete a segurança hídrica presente e futura em todas as regiões do país.

— As mineradoras são muito poderosíssimas, as questões legais não são respeitadas. É preciso sempre escutar os atingidos, as lideranças que vivem a dureza de ter o recurso hídrico, mas tê-lo contaminado e, cotidianamente, sendo ameaçado, sem responsabilidade por parte de quem ameaça. O processo de reparação é violento, passa por cima de muitas coisas, o drama da questão ambiental hoje no país é muito grave. Temos o país que tem mais água potável no mundo, mas estamos caminhando aceleradamente para trazer muitos problemas para a população num futuro muito próximo.

Bem comum

Coordenadora geral da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sônia Guajajara disse que o Dia Mundial da Água deveria ser comemorado em todo o mundo, mas que, infelizmente, passa despercebido pela maioria das pessoas. Ela disse ainda que é preciso acabar com a visão mercantilista sobre um bem comum como a água, fundamental para a sobrevivência de todos os seres vivos, “porque é duro constatar que muitas pessoas não têm água nem para beber e, agora, nesse período da pandemia, vivendo o pior março de nossa história”.

— Enquanto a orientação principal da OMS é lavar as mãos, nós ainda temos milhões de pessoas que não têm água nem para beber, muito menos para lavar as mãos. Essa história do lucro acima da vida, a destruição em detrimento da preservação, são os motivos que levam muita gente a não ter agua. É a contaminação pelo agronegócio, pelo minério das grandes mineradoras, a tentativa de legalizar mineração nos territórios indígenas, que já causou a perda de muitas vidas. A culpa de tanta destruição é do comportamento humano e dos acordos econômicos que põem em risco um bem comum e a vida no planeta. E quando a gente tenta um projeto de lei que garanta agua potável para as famílias, temos a negativa do presidente do país de não garantir agua potável para indígenas e quilombolas — afirmou Sônia Guajajara, referindo-se ao PL 1.142/2020, que deu origem à Lei 14.021, de 2020, sancionada com vetos pelo presidente da República, Jair Bolsonaro. Entre os dispositivos vetados, está o que previa acesso das aldeias a água potável, materiais de higiene, leitos hospitalares e respiradores mecânicos para o combate à pandemia de covid-19.

Saneamento básico

Coordenador da Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), Cícero Félix dos Santos ressaltou que a água é um bem vital de direito público previsto na Constituição, e não uma mercadoria.

— Nesse momento de pandemia, é preciso garantir o saneamento básico no Brasil como investimento público, um direito de todos e dever do Estado, das cidades e do meio rural. Esse avançar do mundo rural significa estar também de olho nas mudanças climáticas, no enfrentamento às mudanças climáticas ou combate ao processo de desertificação que ocorre no Nordeste e outras regiões brasileiras. Não dá para falar em cuidar das águas sem cuidar dos biomas. O semiárido, conhecido como a região da seca, tem 26 milhões de pessoas, ou 12 por cento da população brasileira, e mais de 1.200 municípios — afirmou Santos.

Consultora e especialista em recursos hídricos, Patrícia Boson ressaltou a questão da governabilidade. Ela disse que no Brasil não há órgãos gestores capacitados para lidar com questão da água, sendo que muitos não dispõem de equipe ou recursos para funcionar. É preciso reforçar a governabilidade, e isso só se faz reforçando os organismos encarregados de lidar com a questão, afirmou.

Pesquisadora do Observatório do Clima, consultora legislativa da Câmara dos Deputados e ex-presidente do Ibama, Suely Araújo defendeu o monitoramento dos contratos feitos sob a égide do novo marco legal do saneamento o tempo todo, visto que os recursos costumam ser direcionados apenas para os locais onde o serviço for rentável.

Representante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Andréa Neiva disse que a água deve ser vista como um direito universal à disposição de todos. Ela criticou a privatização da oferta de água e salientou que 36 milhões de pessoas não tem saneamento básico no Brasil.

— Somos a parte mais afetada pelas decisões políticas e econômicas, nos vemos diante de situações que aprofundam ainda mais a violação de nossos direitos. As medidas de ajuste nos marcos legais e a privatização significam a morte dos povos indígenas. A água, hoje, é instrumento de especulação — afirmou.

Fontes