Falências e guerra fiscal cortam 20 mil empregos de sapateiro em Novo Hamburgo; Fábrica de calçados femininos fecha depois de crime e leva 60 pessoas ao desemprego no Rio Grande do Sul

Fonte: Wikinotícias

Agência Brasil

Rio Grande do Sul, Brasil • 12 de junho de 2009

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O Sindicato dos Trabalhadores no Calçado de Novo Hamburgo, mais conhecido como Sindicato dos Sapateiros, que já teve 27 mil profissionais cadastrados nos anos 90, hoje não conta com mais de 8 mil filiados. Na avaliação de seus dirigentes, esses números retratam a crise que o setor calçadista vem enfrentando nos últimos anos, com a falência de muitas empresas e a transferência de outras para municípios do próprio estado, ou mesmo do Rio Grande do Sul, com a consequente extinção dos postos de trabalho.

O próprio diretor administrativo do sindicato, Luciano Fagundes, é um exemplo dessa situação. Ele só não foi demitido de uma fábrica de calçados femininos, conhecida em todo o país, porque tem imunidade sindical: no ano passado, a empresa encerrou a produção de calçados em Novo Hamburgo e manteve apenas os setores de modelagem e amostras no município, o que custou o emprego de 390 trabalhadores, demitidos de uma vez só.

"A produção foi transferida para Bom Princípio (na Serra Gaúcha, a 70 quilômetros de Novo Hamburgo) e, lá, terceirizada. Eles ganharam incentivos, prédio e maquinário do município", conta Luciano, ressaltando que esse fato é comum, atualmente, na indústria calçadista de sua cidade. Trata-se da guerra fiscal entre municípios gaúchos para atrair empresas como esta à sua jurisdição, explicou o sapateiro. Segundo ele, isso também ocorre entre os estados, o que levou várias empresas calçadistas a mudar suas fábricas outros estados, como Santa Catarina, Bahia e Ceará.

Aos 34 anos e há 11 anos no mercado de trabalho – começou aos 12 anos na profissão de sapateiro – Luciano Fagundes diz que, se um prefeito oferece isenção de impostos a um empresário para que mude sua empresa de município, o prefeito do município visado tem que reagir da mesma forma, "pois o patrão só pensa em lucrar e, quanto mais a empresa ganhar em cima do trabalhador, para ela, é lucro".

Mas não é só a guerra fiscal que enfraquece a indústria calçadista de Novo Hamburgo. Luciano cita a desvalorização do dólar em relação ao real, que prejudica as exportações e, consequentemente, reduz a produção, além da importação de calçados da Ásia, principalmente da China, como dois agravantes importantes desse quadro recessivo.

O mais grave, segundo ele, é que algumas empresas importam calçado da China com valor mínimo, "simplesmente trocam a etiquetinha e vendem bem mais caro no Brasil, como se fosse produção local". Esses dois pontos são os que mais afetam os empregos na indústria de calçados, mas há também o excesso de impostos para complicar mais as coisas, acrescenta.

Para o sindicalista, além disso, o setor de calçados é "muito esquecido" pelo governo, que nada lhe ofereceu para enfrentar a crise, "enquanto reduzia impostos para os automóveis, siderurgia e linha branca". Outro problema para o trabalhador desse segmento é a alta rotatividade nos empregos: "A empresa demite o trabalhador e, lá na frente, o contrata de novo, porque não conseguiu emprego em lugar nenhum, com um salário menor".

O piso salarial da categoria é de R$ 478,40, mas a média no setor é de R$ 550 a R$ 600. Luciano diz que, nos últimos anos, os trabalhadores só têm conseguido a reposição da inflação nos acordos salariais com os patrões. E têm que brigar muito, segundo ele, para manter os benefícios sociais conquistados ao longo dos anos, que os empresários querem retirar, como o auxílio-creche de R$ 75,90 às mulheres que têm filhos de até 4 anos.

"Não estou dizendo que não existe a crise. Ela existe, mas muitas empresas também estão se aproveitando da situação", acusa o sindicalista. Ele não dispõe de um levantamento de quantas empresas fecharam nos últimos anos, mas cita dados das demissões formalizadas no sindicato no ano passado de trabalhadores com mais de um ano de casa: foram 4 mil demissões, de janeiro a dezembro de 2008, em Novo Hamburgo.

Este ano, até o início deste mês, mais 1.200 trabalhadores já foram demitidos. Uma situação que Luciano Fagundes conheceu muito bem, antes de se tornar diretor do Sindicato dos Sapateiros: as quatro empresas em que trabalhou desde 1988 fecharam e todos os empregados perderam seus postos de trabalho.

Crime

O técnico em couro Otacílio Martins Pinto, de 60 anos, está desempregado pela terceira vez desde que veio de Ponte Nova (MG) para o Rio Grande do Sul, nos anos 80. Em abril deste ano, quando faltava um ano para completar os 35 anos de carteira assinada necessários à aposentadoria, por causa de um crime, a fábrica de sapatos femininos onde trabalhava há três anos fechou, e 60 pessoas perderam o emprego.

Proprietária de duas empresas em Novo Hamburgo (Aveto Lucca e FRD), Roselani d'Ávila matou, no dia 15 de abril, o marido e sócio, Flávio, a irmã, Rosângela, e a sobrinha, Maria Francisca. Roselani está presa em Porto Alegre, onde aguarda julgamento. Ela não contou à polícia o motivo do crime, mas comenta-se na cidade que pode ter sido a crise econômica, pois suas empresas enfrentavam dificuldades financeiras, devendo a empregados e fornecedores.

Terça-feira passada (9), Otacílio foi mais uma vez ao Sindicato dos Sapateiros, no centro da cidade, para saber se a Justiça do Trabalho já havia autorizado o pagamento de seus direitos. A resposta negativa o deixou abatido, mas não sem esperança de receber 15 dias do salário de abril, 13º proporcional de quatro meses (janeiro a abril), duas férias vencidas e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

Otacílio, que ganhava R$ 4 mil quando a fábrica fechou, tem mais de R$ 10 mil a receber. Atualmente, ele depende da ajuda dos filhos para enfrentar o desemprego e pagar as contas da casa. Ao procurar um novo emprego, ele chegou à conclusão de que, na sua idade, apesar dos mais de 20 anos de experiência, não adianta entregar currículo nas empresas. "Quando surge uma vaga, entre mim e um jovem, sempre preferem alguém com menos idade, porque sai mais barato."

Segundo ele, no Vale dos Sinos, o salário para um profissional de sua especialidade chegava a R$ 5 mil há alguns anos, mas hoje, "com a crise", não passa de R$ 3 mil. "Mas, me oferecerem R$ 1.500, sou capaz de aceitar", disse ele.

A Aveto e a FRD eram de pequeno porte, mas só produziam calçados finos para butiques. Para que Otacílio e os colegas recebam o que têm direito, a Justiça do Trabalho arrestou todos os bens do casal e está leiloando máquinas, carros e imóveis.

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