Enredos afro-brasileiros narram versões insurgentes da história do Brasil
2 de março de 2025
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Sambas sobre culturas, saberes e religiosidade da África e dos afrodescendentes transformam a avenida em sala de aula quando chega o Carnaval. Especialistas destacam o papel das agremiações em preservar as memórias da população negra e as narrativas afrocentradas. Ainda pouco valorizadas no ensino formal, elas se entrelaçam com as origens das próprias escolas de samba.
No Carnaval de 2025, o Anhembi e a Marquês de Sapucaí terão muitas oportunidades para aprender com esses professores do samba. Três quartos das agremiações do Grupo Especial do Rio de Janeiro desfilarão cantando sambas-enredo sobre tradições e religiosidades africanas e afro-brasileiras.
Em São Paulo, ainda que em número menor (apenas quatro, em comparação às nove cariocas), as escolas com propostas afrocentradas são símbolos de representatividade. Neste ano, por exemplo, a Gaviões da Fiel levará pela primeira vez um samba sobre temática africana à passarela.
Para o jornalista Aydano André Motta, especialista na cobertura do carnaval, a escolha pelos temas reflete um ganho de consciência da comunidade carnavalesca em falar sobre si e sobre as histórias de seus fundadores. “Ainda existe um racismo muito forte no Brasil. Existe lei que obriga o ensino de cultura africana, mas nem todo mundo cumpre. Nesta sociedade em disputa, as escolas escolhem propor temas de muito questionamento político e de exaltação às tradições afro-brasileiras e indígenas. Elas vão para a avenida apresentar histórias pouco contadas na literatura e na educação”, avalia.
Ele reforça que a escolha por contar versões da história do Brasil pelo ponto de vista dos povos marginalizados exige uma maior complexidade de estruturação do desfile. “Essas histórias vão ser contadas do nada. Os sambas ganham palavras em nagô, yorubá e outros idiomas africanos que a maioria da população não conhece. É diferente de falar de dom Pedro ou da princesa Isabel, porque a educação formal conta a versão deles. Para contar a história de Luiz Gama e Maria Quitéria, você precisa começar do início”, afirma o jornalista.
Cláudia Alexandre, pós-doutoranda em Antropologia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, corrobora a análise, apontando que as agremiações têm um papel educativo: “A escola de samba é uma escola. Quando ela propõe o enredo, ela precisa explicar essa história, desde a comissão de frente até a última ala. Nenhuma escola vai para a avenida para que o seu enredo não seja entendido. Isso é até quesito de julgamento. Quando dizem que ‘ninguém entende’, quem não entende? Quando os jurados dão nota 10 para um enredo, eles não entenderam? Quando o público canta e bate palma para a escola passar, eles não estão entendendo?”.
- Memória e resistência
Felipe Gabriel Oliveira, doutorando em Antropologia Social pela FFLCH, salienta que os enredos afro são uma maneira de colocar os temas plurais em debate no ambiente público, abordando problemas como racismo e intolerância religiosa. Nesse sentido, o Carnaval é uma data muito significativa para a valorização da cultura afro-brasileira devido a sua projeção nacional. Em entrevista a diferentes veículos de imprensa, às vésperas do carnaval, declarações polêmicas do carnavalesco Paulo Barros enfatizaram ainda mais a necessidade da discussão.
“Por mais que o ciclo carnavalesco dure o ano inteiro, você tem praticamente um ou dois meses de intensa cobertura jornalística. O fato de uma população marginalizada e perseguida ter um momento de palco em que ela é aplaudida, canta o seu samba com muito orgulho e mostra a sua identidade com maior brilho, é uma forma de demarcar uma posição. É uma valorização de identidades, costumes, ideologias e religiões que não encontram muito espaço em outros períodos do ano”, diz Oliveira.
Cláudia afirma que é impossível separar o samba e o Carnaval das reverências aos ancestrais e aos orixás. “Há muita representação do terreiro na existência e na presença de uma escola de samba no Carnaval. Cada vez que se reverencia, mantém-se viva a lembrança de onde vieram e do processo histórico de luta e resistência pelo qual os negros passaram para hoje estarem livres, aberta e democraticamente reverenciando os seus [iguais e deuses]”.
Fontes
[editar | editar código-fonte]- ((pt)) Enredos afro-brasileiros narram versões insurgentes da história do Brasil [inativa] — Jornal da USP, 28 de fevereiro de 2025. Página visitada em 1 de março de 2025
. Arquivada em 28 de fevereiro de 2025
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