Delação Premiada no Brasil: como analisar a denúncia de crimes por quem também os perpetrou?

Fonte: Wikinotícias

Brasil • 18 de junho de 2016

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“Delação premiada na verdade é um instituto muito novo no Brasil”, assim descreve o processo Pedro Cabral, assessor jurídico do Ministério Público. Com a crise política em pauta diariamente nos principais meios de comunicação do país, um conceito passou a ser presente no dia a dia do brasileiro: a delação premiada. Além disso, questões éticas envolvendo as delações e até mesmo a regulamentação dela vem tomando espaço nos noticiários. Mas afinal o que é delação premiada?

Primeiramente, vale dizer que a delação premiada existe no Brasil desde os anos de 1990, mas que somente em 2013 foi completamente regulamentada. “Apesar de ter algumas leis incipientes da década de 1990, influenciadas também pela operação Mãos Limpas, que aconteceu lá na Itália - um grande processo de desmantelamento da máfia - no Brasil a delação premiada só começou a ser oficial em 2013, o que pro direito é uma coisa muito recente” , disse Cabral.

A delação premiada é um mecanismo utilizado para auxiliar na investigação de crimes organizados. Nesse sentido, é importante entender o que, pela lei, é considerado crime organizado, como explica o advogado e conciliador Hugo Pimenta Borges: “Comete o crime previsto nessa lei aquele que se associa numa organização com quatro ou mais indivíduos, numa estrutura organizada, com divisão de tarefas e com objetivo de obter uma vantagem através de infrações penais. Isso inclui quem não está ligado diretamente com a infração, mas também aquele que financia, planeja e até quem atrapalha a investigação contra uma organização criminosa.”

Hugo ainda alega que a infração pode acarretar em uma pena de três a oito anos, sendo que a proposta de acordo de delação deve provir da polícia, do Ministério Público ou da defesa do réu. “O juiz precisa verificar se teve irregularidades [no acordo] ou se obedeceu a lei, e se o delator agiu de modo voluntário, se ele não sofreu nenhum tipo de pressão, nenhum tipo de tortura”, explica.

Segundo a lei, o delator está descrito como colaborador premiado. Isso porque a delação precisa de fato obter resultados concretos para a investigação. Dependendo do quanto sua colaboração for importante, o delator pode ter perdão judicial, sendo isentado de seu crime, sem a necessidade de cumprir a punição ou ter sua pena reduzida em até dois terços. “Quem vai decidir é o juiz, de acordo com os pedidos das partes. O delator então tem que ter colaborado voluntariamente e precisa apresentar provas, porque essa delação precisa gerar resultados práticos, que são previstos em lei, no artigo Quarto”, esclarece Borges.

Letícia Moraes, advogada, acredita que a delação premiada seja um mecanismo eficaz, mas não concorda com novos modelos que foram propostos recentemente. “Eu acho que [a delação premiada] é um mecanismo bom de investigação. No início era só para crimes hediondos e quadrilhas, agora funciona também para crimes fiscais e tributários. Mas a situação que estão propondo que, depois do criminoso ser preso ele não pode fazer a delação, é só uma manobra política para salvar a pele deles [políticos denunciados].”

A manobra citada pela advogada tem relação com a gravação divulgada recentemente pela Folha de S. Paulo, em 25 de maio desse ano. No áudio, o presidente da Câmara, Renan Calheiros, afirma apoiar alteração no uso da delação proposta pelo PL 4372/2016 do deputado Wadih Damous (PT-RJ), o qual exige que presos não possam participar de delações – suas denúncias em acordos não teriam validade. Desde o início da investigação da Lava Jato pela Polícia Federal (17 de março de 2014), há nove projetos de lei que foram enviados ao Congresso. Do total, oito ainda tramitam, sete estão na Câmara dos Deputados (um deles é do deputado Wadih) e um no Senado.

Com a contínua deflagração de novas fases da Operação Lava Jato, novos casos de delações são esperados e os que já foram feitos estão sendo de grande importância para a investigação dos crimes, entre os delatores estão Alberto Youssef, doleiro e empresário preso, Delcídio do Amaral, ex-senador do Mato Grosso do Sul, e Marcelo Odebrecht, presidente das organizações Odebrecht.

Os resultados esperados da delação variam conforme o crime perpetrado. O delator precisa ajudar na identificação de outros criminosos envolvidos na organização, relatando também qual era a hierarquia e divisão de tarefas vigentes, além de determinar quais infrações penais foram praticadas e ajudar a prevenir que novas infrações voltem a acontecer. No caso de roubo ou desvio de verba, o delator pode ajudar na recuperação total ou parcial do produto roubado. Já em casos de sequestro, pode auxiliar a determinar o paradeiro da vítima, desde que sua integridade corporal seja respeitada. “Além desses resultados, a concessão dos benefícios leva em conta se a delação foi eficaz, se realmente ajudou nessa investigação. Analisa-se a personalidade do delator, a natureza e constância dos crimes, a sua gravidade e também a repercussão social do fato criminoso. No caso, os crimes de corrupção tem repercussão social mais elevada”, argumenta Borges.

Ao aceitar o acordo, o delator – que por sua vez é um criminoso e, por isso, está sujeito a uma sentença – renuncia ao seu direito de silêncio. Isso significa que a delação precisa, estritamente, ser voluntária, sem qualquer mecanismo de coerção. Além disso, o delator se compromete com a verdade total sobre os fatos criminosos. “Acho que a delação premiada é benéfica, apesar de ser só uma pessoa falando, o que seria ruim, ainda precisa conter documentos comprovando a acusação”, afirma Moraes. No entanto, se alguma prova for produzida a partir da delação, ela não pode ser usada contra o próprio delator. Nesse ponto, a delação se diferencia muito de uma confissão pois, legalmente, não é vista como um mecanismo para assumir a culpa, mas como uma espécie de denúncia, ainda que o denunciador faça parte dos crimes executados.

Os benefícios da delação para o colaborador tem gerado debates de cunho moral, uma vez que muitos são usados como uma forma do governo se associar aos criminosos. No entanto, Cabral esclarece a questão e aponta pontos positivos desse modelo de redução de pena: “Do ponto de vista jurídico, é ótimo que você caminhe no sentido da descriminalização das condutas, diminuindo as penas. Mesmo porque, os presídios brasileiros são terríveis em formar criminosos, são a grande “escola do crime” e isso é fato notório. Tudo que caminhe no sentido da diminuição de pena, ainda mais nesses crimes de ‘colarinho branco’ que o foco principal é a restituição do dinheiro, é muito bom”.

Contudo, algumas questões permeiam o uso jurídico da delação. Borges afirma que: “um juiz jamais pode dar uma sentença condenatória fundamentada, somente, na delação”, porque, ainda que o delator se comprometa legalmente com a verdade e em não se calar, por si só a delação não é uma prova suficiente. Teoricamente, o mecanismo da delação deveria ser usado em última instância, mas em muitas investigações que tem ocorrido atualmente, como por exemplo a Lava Jato, delações aconteceram antes mesmo da denúncia ser efetivamente feita. “Há uma certa preocupação com a possibilidade da estrutura da polícia e do Ministério Público de se tornar dependente das delações, deixarem de se aprofundar nas investigações e de trabalhar mais para investigar. Aceitam essas delações a torto e direito, que não deveriam ser os principais meios de obtenção de provas”, elucida Borges.

Ainda sobre as investigações que tem ocorrido recentemente no país, com auxílio de delação, Cabral também demonstra seu descontentamento: “O problema que eu vejo na delação premiada é o quanto isso está sendo usado não dentro do direito, mas fora dele, aí uma crítica para os jornalistas. As delações premiadas estão vazando, então se troca aquela presunção de inocência da pessoa por uma presunção de culpabilidade. O que é uma coisa terrível”. Na opinião do assessor jurídico, em muitos casos, a mídia faz um desserviço ao expor delações sem consultar os autos do processo (ofícios registrados em papel), acusando pessoas que ainda não tiveram o processo totalmente finalizado e que podem entrar com recurso provando a sua inocência. "Às vezes se existe uma delação fraca, até apontando uma prova ou outra incipiente, mas que é noticiada como algo terrível, você acaba estigmatizando uma pessoa acusada muitas vezes de maneira perpétua, sem permitir que essa pessoa se defenda”, ele conclui.

Quanto a isso, Borges mostra-se extremamente contrário a certos excertos da legislação que tem sido ignorados. Segundo o advogado e conciliador, é direito do delator ter o nome e a imagem preservados, sem que sua identidade seja revelada aos meios de comunicação ou que seja filmado e fotografado sem autorização. “Todos os delatores do caso da Lava Jato nós vimos quem são, um direito deles que foi desrespeitado”.

O valor da Delação Premiada enquanto um mecanismo jurídico é muito bem visto pelos três entrevistados, pois alegam que é uma maneira de contribuir para o encerramento de diversos casos em curso de investigação. Ademais, tem um papel muito forte atualmente entre a população e nos rumos políticos do país. Cabral explica a influência que o mecanismo tem exercido, e faz uma ressalva sobre os cuidados necessários ao lidar com ele: “Todo mundo quer saber quais implicações políticas isso vai trazer e a delação premiada está movendo não só o Judiciário brasileiro hoje, mas a opinião pública como um todo. Cada dia tem uma delação nova e isso não deve ser boicotado de forma alguma, mas tem que ser divulgado de uma maneira cautelosa, porque senão você vai culpabilizar as pessoas antes do devido momento.”

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