Auxílio moradia para juízes: proteção ou privilégio?

Fonte: Wikinotícias

15 de junho de 2016

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Conceder auxílio moradia para juízes e desembargadores é lei no Brasil. A Lei Orgânica da Magistratura (Lei Complementar 35, de 14 de março de 1979), prevê o direito de “ajuda de custo, para a moradia, nas localidades em que não houver residência oficial à disposição do magistrado (art. 65, II) ”. O valor de R$ 4.377 é o mesmo para os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e seria garantido até para os juízes que possuíssem residência própria e para os que atuam em suas cidades de origem. A decisão foi tomada em liminar do ministro Luiz Fux do STF e estava embasada no artigo 65 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional de 1979 (Loman). Ela é motivo de controvérsias, pois, muitos defendem o seu fim por parecer injusta e estabelecer um privilégio supremo. Outros acreditam que ela deva ser mantida pois os juízes têm obrigação de constantemente mudar de cidade e estado. A situação é delicada e envolve muitos pontos.

A questão ganhou maior destaque quando a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) foi aprovada e sancionada por Dilma Rousseff em 2014, restringindo os benefícios dados aos juízes. Isso os enfureceu e fez com que os dois lados da questão entrassem em conflito. A LDO determina que o pagamento de ajuda de custo para moradia fica condicionado ao atendimento cumulativo das seguintes condições: o cônjuge ou companheiro ou qualquer pessoa que resida com o agente não ocupe imóvel funcional nem receba ajuda de custo, não exista imóvel funcional disponível, não seja ou tenha sido proprietário, esteja comprando ou alugando imóvel onde for exercer o cargo, incluída a hipótese de lote edificado sem averbação de construção nos 12 meses que antecederem a mudança de lotação, esteja no exercício das atribuições em local diverso da lotação original, apresentação de comprovante de aluguel ou hospedagem em hotel, tenha natureza temporária pelo exercício de mandato ou desempenho de ação específica

A discussão para esta polêmica não é novidade, tendo início em 1988, quando foi criada a verba para os parlamentares pelo decreto da Câmara dos Deputados. Em 1992, os magistrados foram certificados de que os deputados e senadores também teriam benefícios, por meio de uma legislação federal, onde todos integrantes receberiam dos tribunais salários equivalentes. Porém, esse direito foi interrompido entre 1994 e 1997, então a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) foi atrás das garantias dos magistrados em recorrência ao Supremo. A liminar que determina o acréscimo da verba e autorização do pagamento retroativo pela Justiça foi concedida em 2000, sendo repassado assim para os magistrados.

Impactos no orçamento Federal

Segundo o portal de transparência do TJRS, o salário dos juízes no Brasil atualmente é de, inicialmente, cerca de R$19.500, intermediário de R$21.537,64 e no final ganham aproximadamente $ 23.930,71. O salário de desembargadores é de R$26.589,68. Esse salário alto que contribui para a desconfiança das pessoas em relação a essa lei, onde aparenta ser desnecessário uma ajuda em dinheiro de moradia para quem ganha quase R$30.000.

O advogado Luis Eduardo Meurer Azambuja acredita que a concessão do auxílio moradia para aos magistrados não interfere de forma benéfica na atuação deles em prol da sociedade. Ele argumenta que ao fazer o concurso público para juiz, a pessoa já conhece a legislação e sabe que deverá residir na localidade para qual for lotado as suas expensas. Dessa forma, ao analisar o cargo, salário e demais condições da carreira, já tem em mente quais as vantagens e desvantagens. “A reforma que se faz necessária na Loman, ao meu ver, é a mesma que se faz necessária em todo regramento do funcionalismo público para diminuir seu custo para a sociedade, permitindo que tais verbas sejam aplicadas em programas sociais abrangentes e em políticas de transferência de renda para os mais necessitados. ”.

Ele ainda estima que os gastos com o auxílio moradia dos juízes sejam de cerca de R$ 30 milhões por mês com 16 mil juízes no país, e que, portanto, gasta-se uma verdadeira fortuna se pensarmos no rol dos demais benefícios que essa categoria profissional já tem, como: recesso forense, dois meses de férias por ano, todo tipo de auxílio academia, auxílio creche, auxílio biblioteca, carros, motoristas etc. “Seria muito bom que tal auxílio servisse de incentivo aos magistrados para que cumprissem seus prazos processuais, o que hoje é obrigatório apenas aos advogados, defensores públicos e procuradores de justiça, causando morosidade da justiça e deixando a população à mercê de demandas infinitas, sem prazo razoável de solução, apesar do grande custo que os cofres públicos são submetidos" finaliza.

Há também quem defenda esse benefício, pois o magistrado é uma carreira que oferece riscos e, sendo assim, os juízes são obrigados a se mudar constantemente para exercer seu trabalho. Antônio César Bochenek, juiz federal de Ponta Grossa (PR) e presidente da Ajufe defende essa regra. Em seu artigo publicado na Folha de S.Paulo em 11 de outubro de 2014, Bochenek justifica que “A lei Orgânica da Magistratura, criada em 1979, estabelece o direito ao auxílio moradia aos magistrados que atuem em localidades, onde não houver residência oficial à disposição. Isso ocorre porque o magistrado dificilmente presta jurisdição em sua cidade de origem”. Ele também argumenta que é fundamental destacar as responsabilidades inerentes às funções dos magistrados federais – como julgar os casos de corrupção que envolvem a administração pública federal – além de inúmeras restrições e limitações legais ao exercício exclusivo da magistratura, as dificuldades para ingressar na carreira e as renúncias que o cargo impõe são do conhecimento de todos. “Por isso, os juízes devem ter condições de trabalho e remuneração adequada, sob o risco de a magistratura deixar de contar com profissionais qualificados” diz o juiz.

Essa é uma discussão que ainda deve ir além, já que a análise dos argumentos é profunda e submete vários outros interesses. A melhor maneira para se chegar a uma solução seria os dois lados serem ouvidos em um diálogo aberto para a formatação de uma nova Loman, com base nos princípios constitucionais em todas as suas esferas, respeitando a autonomia dos magistrados e os recursos públicos da sociedade. O assunto ainda está em aberto e a discussão poderá ser levada ao Supremo Tribunal Federal em breve.

Fontes

[1] [2] [3] [4]

Autores: Bruna Cambraia, Giuliana Pompeu, Guilherme Dogo, Lorena Giron, Stela Zeferino e Victor Hugo Felix

Título: Auxílio moradia para juízes: proteção ou privilégio?

  1. Antonio César Bochenek, juiz federal.Todos os juízes devem receber auxílio-moradia? Sim. A Folha de S.Paulo. 11/10/14,02h00
  2. Luís Inácio Adams, ministro-chefe da AGU. Todos os juízes devem receber auxílio-moradia? Não. A Folha de S.Paulo. 11/10/14,02h00
  3. Raphael Gomide (repórter) com Lívia Salles (repórter).Juízes estaduais e promotores. Época. 12/06/15,23h34
  4. Isabela Souto (repórter). LDO de 2016 limita auxílio-moradia para juízes, desembargadores e ministros 08/01/16