Repórteres Sem Fronteiras criticam reação do Partido dos Trabalhadores contra a mídia no Brasil
Brasil • 2 de agosto de 2007
A maior organização não-governamental de defesa da liberdade de imprensa do mundo, a Repórteres Sem Fronteiras (RSF), divulgou ontem uma carta aberta ao presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e ao presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), Ricardo Berzoini, na qual critica a postura de líderes da sigla contra a imprensa no País. A ONG classifica o documento do partido contra a cobertura da imprensa brasileira como "inoportuno e infundado". A carta foi colocada no site da ONG, no endereço www.rsf.org.
A manifestação da entidade, assinada por seu secretário-geral, Robert Ménard, veio a público dois dias após a reunião da Executiva do PT na qual os dirigentes da sigla denunciaram o suposto "aproveitamento indevido" de parte da mídia em relação ao acidente do vôo 3054 da TAM, na cidade de São Paulo, que fez 199 vítimas no dia 17 de julho. Na terça-feira, dia 31 de julho, Valter Pomar, secretário de Relações Internacionais do PT, afirmou que "existe uma tentativa da oposição de rearticular ataques ao governo" e a "grande imprensa" estaria abordando o acidente de acordo com os interesses dessa oposição. Pomar acusou os meios de comunicações, a rede de TV Globo e os jornais periódicos diários de Correio Braziliense, O Estado de São Paulo, O Globo e Folha de São Paulo como veículos que "nunca fizeram antes oposição a um governo como o fazem agora".
No documento divulgado pela Executiva do partido após a reunião, o vocábulo "mídia" é citado nove vezes, associando-o à "oposição". O texto do PT também se solidariza ao assessor especial da presidência, Marco Aurélio Garcia. Ele havia sido alvo de críticas depois de ter sido flagrado por uma equipe da Rede Globo fazendo gestos obscenos quando da veiculação de uma reportagem sobre problemas técnicos no avião que poderiam ter levado ao acidentes - revelação que, em tese, absolveria o governo de responsabilidades.
No primeiro parágrafo do documento diz: "A Comissão Executiva Nacional do PT aprovou nesta terça-feira (31), uma resolução política em que convoca a militância, os detentores de mandatos e instâncias partidárias a enfrentar a mais nova ofensiva da direita, articulada com setores da mídia, contra o PT e o governo Lula. (...)". Já no sexto é bem ameaçador: "6. Cabe ao conjunto do PT enfrentar esta nova ofensiva que a oposição de direita e setores da grande imprensa deflagraram contra o PT e contra o governo Lula.".
No dia 1º de agosto, em Paris, a RSF se mostrou preocupada com as conseqüências da resolução do partido. "A resolução que o PT acaba de aprovar vem a público após o grande eco midiático dado às manifestações que se seguiram à catástrofe aérea no Aeroporto de Congonhas e às vaias endereçadas ao presidente Lula quando da abertura dos Jogos Pan-Americanos do Rio de janeiro", contextualizou o autor, antes de questionar: "Este eco deve ser entendido como uma crítica sistemática ao governo? A mídia deveria deixar esses eventos passarem despercebidos?".
Dirigindo-se ao presidente Lula e a Berzoini, a ONG pede calma e diz contar com "a sabedoria" de ambos. "A resolução do PT é um mau sinal, indigno de um partido democrático. Ela não faz nada além de alimentar os rancores. Ela deve ser suprimida", sustenta no texto.
Retrospectiva
Desde que o presidente Lula foi eleito em 2002 e assumiu a presidência em 1º de janeiro de 2003, não é a primeira vez que a imprensa é alvo do PT. Ao contrário dos governos anteriores, Lula não dá uma entrevista diariamente como de costume, o que foi alvo de críticas, que dura até hoje.
Em maio de 2004, reagindo uma falsa reportagem publicada no jornal The New York Times, em que dizia que o presidente brasileiro exagerava o consumo de bebida que virou preocupação nacional, Lula ordenou a expulsão do jornalista americano Larry Rohter, correspondente ao jornal The New York Times no Brasil, que só recuou depois da repercussão negativa dentro e fora do Brasil.
Após o estouro do "Escândalo do Mensalão" e outros escândalos ligados ao mensalão, derrubou maior parte dos integrantes do PT, o partido promoveu um festival de mentiras, sem sucesso, de que "o mensalão não existiu".
Em 2005, o jornalista Jorge Kajuru foi preso por 24 horas depois de ter acusado a emissora de TV Anhanguera (afiliada à Rede Globo no estado de Goiás) de manipulação eleitoral a favor dos partidos governistas e oposição naquele estado e federal, tornando-se o primeiro jornalista brasileiro preso desde o fim do Regime Militar (1964-1985). O anúncio da prisão repercutiu negativamente tanto dentro e fora do país.
Em 15 de setembro de 2006, a Polícia Federal prendeu os petistas Gedimar Passos e Valdebran Padilha, os donos da Planam, Luiz Antônio Vedoin e Dalcon Trevisan, tio de Vedoin, com dossiê que conteria contra os candidatos da oposição, daí o nome do "Escândalo do Dossiê". Os candidatos seriam do governador do estado de São Paulo e à presidência, José Serra e Geraldo Alckmin respectivamente, provocaram uma nova e grave crise política, já que o país estava em crise política chamada "Escândalo das Sanguessugas". Após a prisão, levou a queda de sete petistas, inclusive Gedimar Passos, dos envolvidos no caso, a seguida vazamento do dinheiro, impediu que Lula fosse reeleito no primeiro turno. O PT acusou a imprensa de dar mais atenção no novo escândalo. Mesmo a oposição ter explorado novo escândalo no segundo turno, Lula foi reeleito.
Na manhã do dia 30 de outubro, um dia depois de Lula ser reeleito, partidários do presidente e partido em festa pela reeleição, agrediram e ameaçaram violentamente os jornalistas que cobriam o fato em Brasília.
No dia 31 de outubro, três repórteres da revista "Veja", acusaram integrantes da Polícia Federal, entre eles Jorge Moysés, de terem promovido por três horas, ameaças e intimidações para que revelassem os integrantes da PF que denunciaram a suposta tentativa "Operação Abafa", do então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos e a cúpula da PF, denunciada pela revista em 14 de outubro.
No dia 8 de novembro, o jornal "Folha de S. Paulo" denunciou que dois telefones dos repórteres do próprio jornal na sucursal em Brasília, foram alvos de investigações no caso dossiê. Os casos anti-imprensa após a reeleição de Lula foram repudiados pelos jornalistas brasileiros e estrangeiros.
Não houve apenas casos anti-imprensa apenas no PT. Antes e depois das eleições de 2006, dezenas de casos de ataques e perseguições ocorreram no Brasil. O episódio mais grave que teve repercussão internacional foi em novembro de 2006, com a invasão e seguida o incêndio criminoso contra a sede da Central Marília de Comunicações (CMC), na cidade de Marília, interior do estado de São Paulo. Os responsáveis foram presos e acusaram o prefeito como mandante, acusação a qual ele nega e pôs culpa ao próprio responsável do CMC. Em maio de 2007, um jornalista que denunciou casos de prostituição dos menores na mesma cidade em 2005 foi morto a tiros. Entre 1996 até 2006, doze jornalistas brasileiros foram mortos, em uma média de 1 em cada 13 meses.
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Fontes
- Ofensiva: Executiva convoca PT a enfrentar ações contra o partido e o governo [inativa] — Partido dos Trabalhadores, 31 de julho de 2007. Página visitada em 3 de agosto de 2007
. Arquivada em 23 de outubro de 2007 (Documento da Comissão Executiva Nacional do PT contra a mídia e site oficial do Partido dos Trabalhadores)
- Appeal to President Lula and ruling party chief over media hostile move [inativa] — Reporters Without Borders, 2 de agosto de 2007. Página visitada em 3 de agosto de 2007
. Arquivada em 8 de agosto de 2007 (Comunicado do RSF em inglês)
- RSF manifesta preocupação com resolução política do PT [inativa] — Repórteres Sem Fronteiras, 2 de agosto de 2007. Página visitada em 6 de agosto de 2007
. Arquivada em 8 de agosto de 2007
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